segunda-feira, 6 de abril de 2015

The fair lady: 1º capítulo

01.

Sarah

O maldito despertador tocou pontualmente às seis da manhã e resmunguei, enquanto tateava o criado-mudo em busca pelo maldito. Ao encontra-lo, dei um tapa daqueles na porcaria e, quando me deitei de costas para me espreguiçar, senti o braço do meu namorado, me puxando pela cintura para mais perto.

          - Bom dia. - Falou, com a voz rouca e a boca colada à minha orelha, sabendo o quanto aquilo mexia comigo, ainda mais que estava com a barba por fazer...

          - ‘Dia. - Resmunguei em resposta. - Já falei o quanto odeio despertadores?

          - Só umas... Trezentas e sessenta e cinco vezes diárias por ano.

          - Chato. - O provoquei e ele riu. - Mas tem lá as suas vantagens de acordar mais cedo.

          - Ah é? E quais seriam?

Rolei para cima dele.

          - Esses dias, eu li uma coisa bem interessante...

          - Que coisa?

          - Era uma entrevista com um daqueles médicos especialistas em sexo. - Ignorei a sua expressão. 

          - Você lendo entrevista de especialistas em sexo? Deixa seu pai saber de uma coisa dessas...

 Bati de leve no seu ombro e respondi:

          - Como se ele não tivesse a certeza de que a gente transa mais agora que estamos morando juntos! E se esqueceu que ele é um pai fora dos padrões?

          - É. Mas mesmo assim, se lembre de que eu tive que enfrentar um interrogatório assim que te pedi para a gente morar juntos.

Suspirei e perguntei:

          - Vai me deixar contar o que eu li ou não?

          - Fala.

          - Já que você sempre diz que eu sou rabugenta... Um dos benefícios do sexo pela manhã é justamente a influência no humor...

          - E essa... Influência é positiva ou negativa?

          - Por que a gente não testa essa teoria do médico para você descobrir? - Propus, como se estivesse perguntando se ele achava que ia chover.

          - Sarah...

          - Ah, Ed... A gente tem tempo. Mas se você prefere muito mais uma namorada pronta para te dar algumas patadas ao longo do dia e à noite você ter ir de dormir no sofá, não diz que eu não te avisei...

De repente, ele deu uma guinada com o corpo e me deixou por baixo. Antes de me beijar, me fixou por um tempo e perguntei:

          - O que foi?

          - Você realmente não tem ideia do quanto eu te amo, não é?

Dei um sorriso e acariciei o seu rosto, o trazendo para mais perto e beijando sua boca. Quando ele começou a beijar a linha do meu maxilar, envolvi seu quadril com as minhas pernas e gemi, mais de surpresa.

          - Está de manhã, Sarah... - Ele falou, aproximando de novo a boca da minha orelha. Mordeu o lóbulo e pedi:

          - Só um segundo.

Me estiquei até o criado-mudo do seu lado e ele, vendo que eu estava procurando alguma coisa, quis saber:

          - O que você está querendo aí?

          - Camisinha.

Ele se apoiou sobre o cotovelo e, depois de pegar uma fileira de embalagens, a pôs sob o travesseiro e voltou a me beijar. Arranhei sua nuca e ele apertou a minha cintura. Logo, deslizou a mão por baixo da camiseta e acariciou diretamente a minha pele. Puxou o meu quadril na direção do seu e não demorou muito para que as carícias menos... Comportadas começassem. E, quando nenhum de nós dois estava mais aguentando, senti que ele enfiou a mão por baixo do travesseiro e pegou um dos pacotes quadrados, rasgando a beirada com o dente e, logo em seguida, pôs a camisinha. Nós estávamos acostumados a dormir com pouca roupa justamente para quando batesse a vontade... Facilitasse as coisas. Então, em menos de dois minutos, o moletom e a cueca boxer branca que ele usava e a minha calcinha, daquelas que pareciam mais uma boxer, e a minha camiseta estavam todas emaranhadas em um canto qualquer do quarto. O Ed era bom de cama, justiça fosse feita. Tudo bem que eu não tinha transado com mais nenhum outro cara, mas... Pelo que eu ouvia minha irmã mais velha e as colegas da faculdade dizerem... O fato é que o Ed era o cara dos sonhos: Educado, carinhoso, gentil e lindo. Era a personificação daquela expressão “O genro que toda mãe pediu a Deus.”. E a minha era uma segunda mãe para ele. E eu tinha sorte que a dele também me tratava como filha, ainda mais depois de doze anos de namoro. E você não leu errado. Estávamos juntos durante todo aquele tempo e a diferença de três anos entre nós pareceu não importar, no final das contas.

No entanto, mesmo depois de tanto tempo, toda vez que nós íamos para a cama, eu tinha a incômoda sensação de que tinha alguma coisa faltando. Sempre era... Fofinho demais. Pode parecer estranho, mas essa era a melhor definição. Era como uma daquelas comédias românticas e parecia ter a necessidade de mais. Sempre tinha ouvido a Julie, minha irmã mais velha, comentar com as amigas sobre os namorados e o jeito que ela falava me deram a impressão de que havia algo muito além do que eu tinha. E tive a certeza, com o passar do tempo.

Assim que o Ed atingiu o clímax, alguns minutos depois de mim, se largou no colchão ao meu lado e me puxou para mais perto. Perguntei:

          - Ed... Eu estava pensando uma coisa.

          - Ah é? O quê?

          - A gente podia aproveitar o próximo feriado para ir até Londres. A Jackie estava me dizendo que tem várias coisas interessantes para a gente usar nos pratos do restaurante e... Acho que vale a viagem. Podíamos ir, ficar uns dois dias e depois, a gente voltava. Eu tenho certeza que isso vai ser bom para o restaurante.

          - Eu não acho que a gente tem que esperar até o próximo feriado. Podemos ir antes, como num final de semana. Vamos na sexta-feira e voltamos domingo à noite, por exemplo. A ideia é boa e eu estava realmente pensando em mudar algumas coisas do cardápio. Pode ser bom, interessante, inclusive, para olhar algum fornecedor.

Fiquei feliz ao ouvi-lo falando aquilo.

Durante a hora de almoço, aproveitei para passar na casa dos meus pais e, como o esperado, meus irmãos mais novos (Eu era, literalmente, a filha do meio) estavam enfiados nos seus respectivos quartos.

          - E aí? Alguma novidade? - Minha mãe quis saber.

          - Vamos para Londres. Mas não decidimos quando. Eu estava falando com o Ed para a gente ir comprar algumas coisas diferentes para usar no restaurante e ele concordou.

          - Ah é? Que bom que ele concordou...

          - Nem me fale.

Minha mãe me olhou e quis saber:

          - Sabe o que eu acho? Que você não deveria ficar dependendo do Ed para fazer as coisas.

A olhei.

          - E quem disse que eu faço isso?

          - Eu sei. Ou se esqueceu de quando você foi para a faculdade, o inferno que ele aprontou por isso?

          - Sim, mas... - Comecei a dizer, tentando achar um argumento. Minha mãe me observou, com a mão na cintura. - Ele sabia que tem algumas pessoas que fazem loucuras na faculdade. E sabia que eu não sou assim e era nessas pessoas que só aprontam em quem ele não confiava.

Ela suspirou e disse:

          - Eu gosto muito do Ed, mas sinto que a maior parte do tempo ele te prende. E você é como um passarinho. Tem que ser livre, minha filha. É parte da sua natureza.

Suspirei. Por mais que meus irmãos e eu fôssemos diferentes na personalidade uns dos outros, ainda sim, ela conhecia todos. Sabia quando a Julie precisava de ajuda com o filho, Gabriel, antes mesmo de ela pedir. Sabia muito bem quando o Andrew queria ajuda com alguma coisa de casa (E nunca vou me esquecer de quando ele derrubou vinho na camisa e ligou, desesperado, para minha mãe, querendo saber como tirava a mancha), do mesmo jeito que já se preparava para ir conversar com o chefe de polícia de Gloucester quando o Robbie aprontava por lá. E sabia muito bem quando a Eavan não queria conversa. E comigo... Ela sempre dizia que se preocupava menos, mas eu sabia que não era verdade; Era bem capaz de eu ser a filha com quem ela mais se preocupava, ainda que nunca tivesse aprontado tanto quanto meus irmãos.

Meus pais tiveram cinco filhos, ao todo. A Julie era a mais velha, já era casada e o Gabe tinha quatro anos. Em seguida, o Andrew. E só os dois mais novos, Robbie e Eavan, moravam com meus pais ainda. Eu tinha saído de casa aos vinte anos e meu pai, mesmo sabendo que eu ia ter juízo, ainda sim, não ficou tão satisfeito assim. Não que ele e minha mãe fossem do tipo caretas. Pelo contrário; Eles sempre nos criaram para ter a mente aberta e respeitar os outros, independente de como eles fossem.

Os três primeiros filhos nasceram em Londres. Meu pai recebeu uma proposta de trabalho em Gloucester (Na época, ele trabalhava para uma multinacional) e foi lá que os dois últimos nasceram. E na primeira oportunidade que teve... Juntou a família, todas as suas coisas e nos mudamos para uma cidadezinha, tipicamente interiorana, chamada Bibury. Ficava entre Gloucester e Oxford. A maior prova de que nem meus irmãos e nem eu jamais gostávamos de lá justamente por não ter a agitação de Londres, era que, assim como meu pai, a Julie e o Andrew rapidamente fizeram o caminho inverso; Mudaram-se, respectivamente, para Gloucester e Eastbourne. Eu morria de vontade de fazer o mesmo que eles, ainda mais depois de fazer faculdade em Oxford, mas era como minha mãe tinha dito: O Ed me prendia. E, como gostava... Eu o amava, acabava aceitando. Sempre o apoiava em tudo que ele queria fazer, mas ele era o oposto: Apoiava, mas depois conseguia me dissuadir das coisas. Se ele vinha me contar, animado, sobre alguma coisa, eu ficava feliz. Se era o contrário... Tinha cansado de ouvir a Julie falar que aquele era um relacionamento de uma pessoa.

Éramos o oposto um do outro e, enquanto eu s
empre tinha sonhado em conhecer o resto do continente, pelo menos, mas do jeito que as coisas estavam indo... Provavelmente, ia ter aquela vidinha típica de família de comercial de margarina, ainda mais que, o Ed parecia ter criado raízes aqui. Era justamente por conseguir prever como minha vida ia ser é que não conseguia me sentir confortável com a ideia de passar o resto da vida naquele fim de mundo.

Durante o almoço, o meu pai passou uma descompostura daquelas no Robbie, que mantinha a cabeça baixa o tempo inteiro.

          -... E se você continuar fugindo para Gloucester para aprontar... Nada de Reading festival.

Meu irmão ergueu o olhar, indignado, e ia protestar quando minha mãe interveio:

          - Eu acho que a gente pode fazer uma coisa, Richard. O Robbie pode ir para o festival sob duas condições. Uma é justamente essa, a de que ele ande na linha e pare de fugir para Gloucester.

          - E a outra? - Meu irmão quis saber e quem deu palpite fui eu:

          - Você vai ajudar lá no restaurante.

          - Sarah! - Ele resmungou.

          - Oi! Nem vem reclamar porque o Ed vai te pagar, eu tenho certeza. Ele falou comigo que estava precisando de mais ajuda por lá... E outra: Tá achando ruim de ganhar dinheiro, é? Descontando o salário, tem gente que deixa umas boas gorjetas...

          - Se o Robbie não quiser a vaga, eu quero. - A Eavan falou, pegando todo mundo de surpresa.

          - E você tem experiência, por um acaso? - Ele a provocou.

          - Tanta quanto você. Mas pelo menos, não estou desprezando o dinheiro.

Obviamente, os dois começaram a bater boca e meu pai logo deu um jeito de parar com aquilo; Com cinco filhos que, muitas vezes, brigavam entre si, ele já tinha seus macetes para acabar com qualquer início de briga.

          - Vamos fazer o seguinte: Eu olho com o Ed se a gente pode deixar a Eavan de recepcionista enquanto o Robbie pode ficar de garçom. - Falei. - Se não der, vou arrumar alguma coisa para você fazer, ok? - Perguntei para minha irmã, que concordou.

Assim que cheguei ao restaurante, falei com o Ed e ele me avisou que já tinha encontrado alguém para ocupar a vaga de garçom e, portanto... Nada feito nem para o Robbie e nem para a Eavan.

No domingo, durante a hora de almoço, aproveitando que estávamos na casa dos pais dele e que os irmãos estavam lá, fomos nos juntar à bagunça que normalmente era e, quando nos sentamos à mesa, o irmão mais velho dele, Ben, comentou:

          - Esses dias mesmo, nós estávamos vendo uma notícia de que tem um grupo de médicos estudando o Parkinson. No artigo, dizia que estão ainda em fase de testes de um tratamento para tentar amenizar os sintomas da doença.

          - Só que é caro. - A mulher dele falou.

          - Mas já começaram com os testes? - A mãe do Ed quis saber.

          - Um dos pacientes aparentemente apresentou uma melhora. - O Ben respondeu, depois de engolir uma garfada de macarrão. - Mas o problema maior não é, como a Liz disse, o preço do tratamento. É... Tudo. Os médicos estão na Suíça e teríamos de dar um jeito de arcar com as despesas de viagem e hospedagem.

          - Vocês não jogam sempre na loteria? - Paul, o pai do Ed, perguntou. - Então. Quero que me prometam uma coisa. Se vocês ganharem, a gente tenta esse tratamento. Senão... Aí depois a gente conversa.

Obviamente, eles tiveram de se conformar. E, como era de se esperar, naquela noite, o Ed não conseguiu dormir. Lá pelas três e meia, acordei e o lado onde ele costumava dormir estava vazio. Me levantei e o encontrei na cozinha, sentado no escuro. O abracei por trás e beijei seu pescoço, vendo sua pele se arrepiar.

          - O que foi? Está pensando no que o Ben falou? - Perguntei, quando me puxou para sentar no seu colo.

          - Estou. Seria tão bom se o meu pai pudesse melhorar do Parkinson... O problema é justamente que, mesmo que o Ben, o Joe, o Dan e eu juntássemos nossas economias... Provavelmente não seria o suficiente.

Mordi o lábio.

          - O restaurante tinha que render mais... Não tem muita salvação para nós.

          - Por isso que eu te sugeri de irmos até Londres e comprarmos coisas diferentes para os pratos. A nossa sorte é que daqui a pouco a temporada de turistas começa e o movimento vai aumentar, com certeza. Não fica pensando que acabou quando nem começou ainda. - Falei e ele fez bico.

          - Acho que só um milagre... - Resmungou.

          - Eddie... - O chamei, fazendo manha. Na mesma hora, me olhou e sorriu malicioso.

          - Eu gostaria de saber por que é tão irresistível quando você faz isso comigo. Me chama desse jeito dengoso...

          - Bom, agora, a minha única intenção é te levar lá para cima e você dormir, senão amanhã não vai funcionar direito e sabe disso. Além do mais... Ficar se preocupando às três da manhã não vai ajudar o seu pai em nada. Anda. Vamos para a cama.

Me surpreendeu, me pegando nos braços e me carregou escada acima. Assim que chegamos ao quarto, me pôs com uma delicadeza na cama, como se eu fosse feita de porcelana. Me observou por alguns segundos e perguntei:

          - O que foi?

          - Você é linda...

Dei um estalo impaciente com a língua.

           - Só fala isso porque eu sou sua namorada.

          - Deve ser, já
em meio à tantas garotas da minha idade, eu fui me apaixonar por uma pirralha de quatorze anos...

Bati no seu braço e ele riu.

          - Mas, mesmo assim...
Eu te amo. Desde a primeira vez que te vi.

Sorri e ele me beijou.

No final do mês, ele me avisou que tinha conseguido uma folga do restaurante e que poderíamos ir para Londres. E eu tive uma ideia e, para minha surpresa, ele concordou. Principalmente depois que avisei que eu ia pagar.

Na quinta-feira de tarde, eu fui até a casa dos meus pais e falei com os dois:

          - Eu consegui convencer o Ed a deixar o Robbie e a Eavan a irem com a gente para Londres. Posso?

          - Sarah... - Meu pai se mostrou apreensivo e avisei:

          - Olha, eu te prometo que vou manter um olho em cada um e o Robbie vai ficar ocupado o tempo todo, então não vai ter como se meter em confusão.

          - Se por um acaso, ele se meter... Me avisa. - Pediu e concordei. Quando os dois chegaram em casa, ele de um encontro com uns amigos e a Eavan da escola, avisei:

          - Vocês dois... Arrumem as suas coisas que vamos passar o final de semana em Londres.

Nem a Eavan, nem o Robbie acreditaram. 

          - Olha, se vocês demorarem demais para começar a arrumarem uma mala com roupa para três dias... Vão me atrasar e não vai dar para ir.

Mais que depressa, os dois correram para os quartos e começaram a arrumar as malas. Quando eu estava na cozinha, ajudando minha mãe a fazer o chá, a Julie chegou e trouxe o Gabriel. Minha mãe, obviamente, foi logo paparicar o neto.

          - Quer dizer então que você vai para Londres e vai levar as pestes? - Minha irmã quis saber.

          - Pois é.

          - Boa sorte. - Ela respondeu, rindo fraco.

          - A Sarah já tem todo um plano. - Meu pai falou, entrando na cozinha. - Vai cansar muito os dois durante o dia que aí, quando chegarem ao hotel à noite... Eles capotam e aí ela tem sossego.

          - Ótima estratégia. - A Julie falou.

          - Quer alguma coisa de lá? - Perguntei para ela, que negou.

          - Só... Não deixa o Robbie descobrir sobre um cara... Eu estava lendo numa revista enquanto esperava o Gabe sair do dentista. Pai, sério... Agradece à Deus pelos genros que você tem. E agradece que o Andrew regenerou e o Robbie está começando a andar na linha. - A Julie falou.

          - Meu Deus... O que essa criatura faz?- Ele quis saber, fingindo-se de assustado; geralmente, não acreditava em revistas de fofoca e até ria de quem comprava as malditas toda semana.

          - Mais fácil me perguntar o que ele não faz. Sempre está envolvido em algum escândalo e acho que a única coisa com que ainda não se meteu foi com roubo.- A Julie respondeu.

          - E por que ele faz isso tudo? - Minha mãe quis saber.

          - O cara já é podre de rico. E na revista falava que ele é herdeiro de um duque. Ou seja? Além do título, o filho da... - Ela se freou ao ver que o filho estava prestando atenção. - De uma boa senhora vai ficar alguns milhões de libras mais rico.

          - Meu Deus... Já não basta o que ele já tem? - Perguntei.

          - Parece que não. - Ela respondeu.

          - Ah, mas se ele apronta tanto, não vai demorar a torrar o que ele vai receber de herança. - Meu pai falou.

          - E tinha foto do cara na revista? - Perguntei.

          - Mãe, o Robbie tá aí? - A Julie quis saber e, quando minha mãe respondeu que sim, ela correu até o quarto do nosso irmão e chamei meu sobrinho, que veio logo correndo:


          - Eu vou ficar esse final de semana em Londres e, quando a gente voltar... O senhor vai acertar comigo aquela revanche no videogame, tá?

          - Só a gente?

Concordei e ele, obviamente, ficou todo ansioso. A Julie voltou, com o notebook do Robbie em mãos e meu pai, que já tinha entendido as intenções dela, tirou o Gabe da sala, inventando uma coisa qualquer para fazerem. A Julie digitou o nome do cara no campo de pesquisa e, em seguida, foi na parte de imagens.

          - É esse aí? - Minha mãe perguntou.

          - Ele mesmo. O senhor confusão.

          - Ele não é feio... - Minha mãe disse. A Eavan entrou na cozinha naquele exato instante e perguntou, olhando para a tela:

          - Por que vocês estão olhando as fotos do Bill?

          - Oi? Garota, que intimidade é essa? - A Julie a provocou.

          - Ué... É o nome dele. - A Eavan se explicou, pegando um copo de água.- Mas vocês não me responderam.

Me ocorreu uma coisa e perguntei para a caçula:

          - Vem cá... Você é fã dele?

          - Por aí. Por quê?

          - O que de tão terrível ele apronta?

Ela olhou para a nossa mãe e disse:

          - Tudo e mais um pouco. E por que vocês estão olhando as fotos dele?

          - Eu contei que vi uma matéria sobre ele numa revista de fofoca no dentista. - A Julie falou. A Eavan ergueu as sobrancelhas, indicando que tinha entendido, e avisou que as suas coisas já estavam prontas. Quando o Robbie apareceu, a Eavan foi buscar a bolsa e, logo, nos despedimos dos nossos pais e da Julie e do Gabe. Assim que chegamos em casa, ajudei a arrumar o quarto para os dois e, quando eles estavam se instalando, fui fazer alguma coisa para a gente comer. O Ed chegou tarde da noite e, por isso, decidi que eu ia dirigindo até Londres e ele só ia pegar o volante depois de descansar e na volta.

Naquela noite, quando deitamos, ele perguntou:

          - Estava pensando... Se quiser, eu posso ficar com os seus irmãos em Londres...

          - Não. Pode deixar que eu fico com eles. Sem ofensa, mas, quando eles começam as discussões, tenho mais experiência em apartar.

          - Você quem sabe... Bom, eu acho melhor a gente ir dormir. - Falou, me dando um beijo na testa.

Na manhã seguinte, quando acordamos, fui chamar meus irmãos e o café já estava pronto quando o Ed desceu. Estava de péssimo humor e o Robbie o ajudou a carregar as malas até o carro. Em seguida, ele se sentou no banco de trás, a Eavan se juntou a ele e o Ed estava terminando de ver se a casa estava em ordem e a trancou. Logo que ele se sentou no banco do carona, dei a partida no carro e não demoramos muito a sair de Bibury.

Cerca de duas horas depois, chegamos e no hotel, falei com os dois:

          - Olha... Escolher os temperos e as outras coisas não vai ser tão ruim, confia em mim.

          - A gente não vai poder ir à boates porque eu ainda sou menor de idade... Então que graça vai ter? - A Eavan resmungou.

          - Eavan, já viu o tamanho de Londres? Mesmo que você ache chato, a gente sempre pode ir ao cinema. E depois ir comer alguma coisa diferente. Entediada é que você não fica! Aliás... Nenhum dos dois.

Nem meia hora tinha se passado e o Ed decidiu ir ao mercado. Para nossa surpresa, tanto a Eavan quanto o Robbie se animaram a ir. Fomos até o de Covent Garden e, enquanto o Ed ia olhar uma loja ali perto, meus irmãos e eu, ficamos andando, sem rumo. Estávamos numa loja dedicada à um personagem de histórias infantis que nossa avó lia para nós, ouvimos uma confusão e olhamos pela vitrine. Um garoto, mais ou menos da mesma idade da minha irmã, estava correndo e abrindo espaço pela multidão, segurando uma bolsa. Atrás dele, vários caras, todos vestidos de segurança.

          - Sarah... - A Eavan disse, em alerta.

          - Sabe que o Andrew foi um ótimo professor de defesa pessoal? - Perguntei. - Não saiam daqui.

Nem esperei pela resposta e saí da loja até que o garoto passasse na minha frente. Consegui derrubá-lo e imobilizá-lo até que o guarda chegasse. Obviamente, o garoto se debatia e falei:

          - É melhor que você devolva essa bolsa para a dona, vai por mim. Não pensa que, por ser mulher e menor que você, que não vou ter medo de te enfrentar.

          - Juro que, se você não tivesse me pego de surpresa... Eu te ensinava uma lição. E não tenho medo de bater em mulher.

Arqueei a sobrancelha e ele tentou dar uma guinada com o corpo, mas não conseguiu. O guarda finalmente chegou e só soltei o garoto quando o guarda já estava o segurando.

          - Obrigada, moça. - O guarda falou e fiz um gesto de “não foi nada”.

          - Esse foi moleza em comparação aos meus irmãos... - Respondi. - Ah... Quando for levar esse aí em casa, fala com a mãe para ensinar a tratar bem uma mulher.

Pouco depois, quando estávamos comendo, notei que minha irmã estava inquieta.

          - Ei... O que houve?

Ela terminou de tomar o suco de laranja e se inclinou sobre a mesa, falando baixo:

          - Tem um cara... Ele tá sentado de frente para cá, do lado de fora. Está usando um paletó e calça pretos, camisa branca... E está de óculos.

Fingi coçar a nuca e olhei para trás. Típico riquinho que, obviamente, tinha sido mimado pelos pais e se achava melhor que todo mundo e estava acima da lei. O pior era que o tal sujeito era bonito. Era alto, magro (Mas dava para ver que estava em forma), tinha os cabelos loiros e, por estar de óculos escuros, não dava para saber qual era a cor dos seus olhos. Ele usava barba e dava para confirmar que era rico pela qualidade das roupas.

          - O que tem? - Perguntei, olhando para minha irmã.

          - Ele estava olhando quando você segurou aquele assaltante.

          - Eavan, todo mundo me olhou quando segurei aquele garoto.

          - Fato. - O Robbie se intrometeu.

          - Mas quantas daquelas pessoas que estavam observando te seguiram até aqui? - Ela me perguntou, com olhar inquisidor e a sobrancelha erguida de um jeito bem específico, traço herdado da nossa avó e que todas as mulheres da família tinham herdado.  

          - Fato. - O Robbie repetiu e olhamos ao mesmo tempo para ele. - Quê?

          - Ai meu Deus! - A Eavan falou, de repente.

          - O que foi?

          - É... Ele! - Ela quase berrava.

          - Nossa... - O Robbie sibilou, olhando para os lados, com medo de que alguém estivesse nos observando.

           - Ele quem? - Perguntei.

          - O Bill! - Ela respondeu, histérica.

          - Quem?- O Robbie quis saber.

          - Ai meu Deus! - Falei, assim que a ficha caiu. Meu celular tocou, de repente, e peguei o aparelho.

Onde vocês estão? Dizia a mensagem do Ed. Respondi e, como já tínhamos acabado e paguei a conta... Avisei que já estávamos indo encontra-lo.

Depois que saímos, a Eavan e o Robbie estavam conversando mais à frente e eu estava com a cabeça nas nuvens e não vi que os dois já tinham atravessado a rua e só fui me dar conta de que quase fui atropelada quando ouvi o grito da Eavan. Olhei para o lado e tomei um susto ao ver um daqueles caminhões pequenos praticamente a poucos centímetros de distância de onde eu estava. E, justo quando ia me atingir... Senti um puxão para o lado e, a única coisa que tive consciência de acontecer, a seguir, foi a minha aterrissagem sobre o concreto da rua.

          - Você está bem? - Ouvi uma voz me perguntar e, quando olhei para o lado, tomei um susto daqueles ao ver quem tinha me salvo. Ele me ajudou a levantar e agradeci.

          - Eu... Estou. - Respondi e devo ter soado como a maior idiota do universo.

          - Sarah! - Ouvi a Eavan gritar enquanto corria até onde eu estava com o Robbie em seu encalço. Antes que eles pudessem chegar até mim, o Bill falou:

          - Toma cuidado da próxima vez... Sarah.

E se afastou, seguindo o fluxo da multidão. 

The fair lady: Prólogo


Prólogo

Depois de quase duas horas de atraso, a porta do escritório se abriu. O rapaz estava, obviamente, se recuperando da noite de excessos e o fato de não tirar os óculos escuros deu esta certeza aos presentes: A irmã do finado duque, o advogado e o testamenteiro. O rapaz se largou em uma cadeira e a senhora, que o conhecia muito bem, sabia o quanto era irresponsável e não conseguia entender a decisão do irmão.

          - Bem, como estamos todos presentes... Acredito que podemos começar, sim? - O testamenteiro quis saber. Não houve qualquer objeção e ele leu: - “Eu, Hans Adler, deixo aqui expressa a minha vontade em testamento. Para minha irmã, Eva, deixo todas as minhas propriedades e tudo que há nelas. Para o meu afilhado, Bill, eu deixo a minha fortuna e o meu título sob as seguintes condições. Um. Deverá, durante o mínimo de um ano e meio, apresentar um bom comportamento, sem cometer qualquer infração e/ou desrespeito às leis.” - O rapaz tombou a cabeça para trás, não fazendo a menor questão de esconder o tédio e ignorando o olhar reprovador da irmã do duque. - “Dois: Durante esse mesmo tempo, ele deverá manter-se legalmente casado. Caso as condições não sejam obedecidas, o título será extinto e o dinheiro será legalmente dividido entre minha irmã e três instituições por ela indicadas.”

Uma vez que a leitura acabou e cada um recebeu uma cópia do testamento, o herdeiro do duque foi atrás do advogado e perguntou:

          - Posso falar com você por um instante?

          - Claro.

          - Eu tenho algumas dúvidas e gostaria de esclarecê-las. Sobre o casamento... Meu padrinho, por um acaso, disse alguma coisa sobre o regime de comunhão de bens?

          - Não. Deixou isso ao seu critério.

          - E... Eu preciso ter um filho?

          - Seu padrinho, ao tomar a decisão sobre o casamento, não falou nada a respeito, então, acredito que não seja exatamente uma exigência.

          - Tenho um prazo para encontrar uma esposa?

          - O duque sabia que você ia querer se casar rápido, então preferiu estipular somente a condição de ficar casado por um ano e meio, no mínimo, sem um tempo para que você escolha a noiva. Alguma outra dúvida?

          - O casamento vai ter de ser consumado, não?

O advogado, dando um sorrisinho irritante, respondeu:

          - Acho que já sabemos a resposta, não é?

Assim que saiu da mansão do seu padrinho, Bill pegou o celular do bolso da jaqueta e, depois de discar a já conhecida sequência de números, falou assim que ouviu a resposta do outro lado da linha:

          - Doyle? Temos um trabalho para fazer...

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

What happens in Vegas... Might not stay in Vegas - 15º capítulo


Não te quero por um fim de semana.
Não te quero por um dia
Não preciso de amor dividido,
Não quero sentir dessa maneira
Vê, eu quero que você me queira (do jeito que te quero)
Do jeitinho que te quero (o jeito que te vejo)
E eu quero que você me veja Como ninguém antes

(the Corrs - Irresistible)

Bill


Quando voltamos de Nova Iorque, logo na quinta-feira, estava no estúdio com a Luiza, que estava concentrada no trabalho. Não conseguia desviar a minha atenção dela. Depois que a Claire foi almoçar, perguntei para a minha mulher, aproveitando uma pausa que havia feito:

          - Não vai sair?

Negou com a cabeça.

          - Qualquer coisa, daqui a pouco eu vou buscar alguma coisa para nós. Isto é, se você quiser.

Dei de ombros. Voltou a prestar atenção no trabalho e, de repente, seu celular começou a tocar. Pegou o aparelho, sem prestar atenção em quem era e atendeu. Ouviu algo e disse:

          - Ai, Ireland, vai se afogar no Tâmisa!

Olhei para ela, que deu um estalo com a língua.

          - Grande coisa... - Começou a fazer uma voz grossa, debochada: - Uh, O Arsenal acabou de ganhar do Manchester e eu sou o fodão.

Não teve como não rir dela, que percebeu.

          - O campeonato não acabou, só te digo isso.

Ele respondeu e ela se despediu, desligando em seguida.

          - Quando eu acho que você não poderia me surpreender mais...

Sorriu e disse:

          - Comecei a gostar de futebol depois que me mudei para Londres. O Alex me torrou tanto a paciência que eu comecei a torcer pelo Manchester United, só de birra.

          - E ele torce pelo Arsenal.

Assentiu.

          - E todo ano, sempre que o Manchester perde alguma partida... Acontece isso. Fico quieta e ele sempre me liga, contando vantagem. Teve uma vez que me ligou de Tóquio, no meio da madrugada de lá, só para falar - Fez a voz de novo: - “Oi! O Arsenal ganhou.”. Sorte que dá para fazer um trocadilho terrível com o nome do time. Ele fica puto. - Riu e, mesmo sentindo uma pontada de ciúmes, não teve como resistir.

          - Que trocadilho?

          - Aqui nos Estados Unidos é “Ass”. Na Inglaterra, apesar de ter a mesma sonoridade, é “Arse”. Assim. - Anotou num pedaço de papel. Entendi na mesma hora.

          - Ele é tão chato assim por causa do time?

Concordou.

          - Insuportável. Ainda mais quando cisma de ver o jogo num pub. Se sóbrio já é uma chatice monstruosa, imagine sob efeito de álcool?          

Ri fraco e comentei:

          - Em Nova Iorque, percebi uma coisa.

          - O que?

          - Seu olhar não brilhou quando você estava conversando com ele.

Me olhou, fazendo uma careta.

          - Até nisso você repara? Em olhares brilhantes?

          - Sejamos francos. - Falei. - Por mais que sempre fale nele, se esforçando para parecer apaixonada e tal... Poderia até ser crível. O problema foi quando vi você conversando com ele. Pareciam... Irmãos e não amantes.

          - Talvez porque, antes de sermos amantes, sejamos amigos?

          - É diferente. E já vi como é a amizade entre um casal. Ou você acha que minha mãe passou todos esses anos namorando o Gordon antes de se casarem só porque era apaixonada por ele? Quer dizer, claro que isso contribui muito. Mas não é tudo. E eu vi que você gosta do Alex, mas não o suficiente. Já ele...

Estreitou os olhos e perguntei, diretamente:

          - Quando ele te beija, faz suas pernas tremerem?

Arqueou a sobrancelha e respondeu, rindo de um jeito descrente:

          - Claro! Senão ia ter motivo para eu me envolver com ele?

Dei de ombros.

          - Talvez por teimosia...

          - Teimosia? Ah, Kaulitz, faça-me o favor! E para de ficar me analisando. Se quiser, vou em um psicólogo e pronto.

          -... E para variar, você foge do assunto.

Suspirou.

          - Tá. Quer mesmo saber? Sim, o Alex me atrai e muito, tanto que é somente um dos motivos pelos quais eu estou com ele. Me causa todas aquelas coisas, de pernas trêmulas, coração disparado e borboletas no estômago. Mas isso não é tudo. Ia aceitar o pedido de namoro justamente porque, acima de tudo, é companheiro. Me apoia quando tem que apoiar, briga comigo quando precisa... Nunca ficaria com alguém pela aparência e por tudo que me causa. Não é disso que eu preciso.

          - Se estivéssemos em outras circunstâncias... Eu teria alguma chance?

          - Se fosse merecedor...

          - Você também é dura na queda, hein?

Sorriu e disse:

          - Não. Eu sou exigente.

          - Nota-se.

De repente, se levantou e saiu da minha sala, assim, sem dizer mais nada. Quando voltou, pouco tempo depois, perguntei:

          - Ainda estou curioso a respeito de uma coisa.

          - Que coisa? - Perguntou, se sentando na cadeira ao meu lado.

          - E eu? O que te causo?

Fez uma cara pensativa, encarando a parede à sua frente.

          - Você tem o dom de me tirar do sério como ninguém jamais conseguiu. Nem mesmo minha mãe. E acredite: É muita coisa.

          - Só?

          - Você me deixa extremamente irritada. E tem vezes que tenho vontade de te jogar na piscina, para ser educada.

Ri e ela continuou:

          - Apesar de ter me surpreendido com a pista do Rockfeller em Nova Iorque.

          - Então você gostou?

          - Principalmente com seus tombos. - Respondeu, rindo.

          - Vai rindo... Ainda vou ter a minha revanche.

          - Mal posso esperar para ver quantas vezes você cai. Estava até pensando em fazer um bolão com as meninas...

A olhei, não acreditando naquilo e ela riu ainda mais.

          -... E você ainda cai que nem um pato, Kaulitz...

          - Ah, é assim? Deixa... Quando você menos esperar...

          - Estou tremendo de medo. - Estreitou os olhos, estremecendo um pouco.

          - É bom...

          - É... Como é bom a gente parar de conversa mole e terminar essa demo. - Disse, voltando ao seu lugar original.

Depois que chegamos em casa, já tarde da noite, assim que saímos do carro, ela ouviu um barulho estranho.

          - O que foi?- Perguntei, vendo que ela ia até o portão da garagem.

          - Abre, por favor.

Obedeci, mesmo sem entender e fui até onde ela estava. Tinha subido a rampa e estava mexendo no canteiro ao lado de uma mureta.

          - Vai me contar o que está fazendo? - Perguntei e ela começou a mexer na bolsa, conseguindo encontrar o celular. Mexeu em algumas coisas e acendeu a lanterna. Começou a vasculhar ali e, de repente, encontrou uma caixa, não muito grande. Pediu que eu segurasse o celular e, quando o fiz, pegou a caixa. A abriu e, dentro, haviam uns cinco filhotes de gato, cada um mais mirrado e “despenteado” que o outro.

          - Ai meu Deus! - Ela falou, recolocando um dos filhotes dentro da caixa.

          - Vamos fazer o seguinte: A gente leva a caixa para dentro e começa a cuidar. Daí, amanhã de manhã, levamos ao veterinário, para ele ver se está tudo certinho.

Concordou. Peguei a caixa enquanto ela corria para destrancar a porta. Assim que entramos, a Vivi apareceu e logo quis saber o que tinha acontecido. Ia colocar a caixa no chão quando a Luiza não deixou.

          - Vai por mim... Melhor deixar os gatinhos longe do alcance dela. A Vivi só é sociável à primeira vista com pessoas. Com bichos...

Olhei para a gata, que se esticava toda, apoiando as patas dianteiras sobre minha perna. A Luiza correu para pegar a caixa e, aproveitando, comecei a coçar atrás da orelha da Vivi.

Depois de alguns minutos, a minha mulher tinha pegado um cobertor e trazia uma tigela com leite. Acendi a lareira e perguntei, quando se sentou no chão, bem ao meu lado:

          - Precisa mesmo de tanto calor?

Me olhou, arqueando a sobrancelha e disse:

          - Tenho uma vasta experiência com gatos friorentos. Apesar do que... Esses aqui, diferentemente da Vivi, não vão fugir.

Nem bem falou e a gata se aproximou, curiosa para saber o que estávamos fazendo. Experimentei deixar que farejasse um dos filhotes e logo depois, perdeu o interesse.

          - Ai... Muito bom. - Ouvi a Luiza dizer e, quando olhei, ela colocava o gatinho no cobertor e perguntei:

          - O que foi?

          - Virei caixa de areia. Já venho. - Respondeu, saindo da sala. Depois que voltou, já de roupa trocada, ficou comigo, cuidando dos gatinhos até tarde.

Na manhã seguinte, conforme o combinado, levamos os gatinhos até a clínica veterinária e, como o médico ia precisar de tempo, tive que praticamente arrastar a Luiza até o carro, já que queria ter ficado lá. Assim que chegamos, a Claire avisou:

          - A secretária do terapeuta ligou agora há pouco, pedindo para transferir as sessões de semana que vem. Aconteceu um imprevisto e ele teve que viajar.

          - Bom, o juiz não pode reclamar. - A Luiza falou, depois que entramos no meu escritório. - Fomos juntos para Nova Iorque e não faltamos à nenhuma consulta... Sem falar que me transformei na sua assistente enquanto a Claire virou uma reles secretária...

Olhei para ela.

          - Esse desprezo pela Claire é ciúme?

          - Tenho motivo? Sim, porque se tiver que quebrar o pau com você, prefiro que seja justamente.

Sorri e falei:

          - Sua máxima de estar com uma única pessoa se estendeu à mim.

          - Bom mesmo. - Respondeu, mexendo em alguma coisa na bolsa. Logo em seguida, começamos a trabalhar.

Quando chegou a hora do almoço, a Claire saiu. Aproveitando uma pausa, me levantei e fui andar um pouco pela sala. A Luiza continuava concentrada em mexer no celular e, quando me sentei no sofá, perguntei:

          - Por que essa cara de brava?

Me olhou e fez língua.

          - Luiza... Olha que eu te digo o que fazer com essa língua...

          - Estou procurando um vestido mais em conta para o baile de máscaras, mas quem disse que eu encontro?

          - Se você deixar de ser teimosa pelo menos por essa vez...

Suspirou e disse:

          - A questão é que, se for outro vestido como o do Hervé Léger, você vai à falência assim. - Estalou os dedos.

          - Não sei se você sabe, mas eu sempre compro coisas do Alexander McQueen. E é mais ou menos nessa faixa de preço. Portanto, um vestido para você não é exatamente algo que vai me levar à falência. Se tiver algum que você gostou, me mostra, por favor.

Ergueu as sobrancelhas e se levantou, trazendo o celular. Se sentou ao meu lado e me entregou o celular. Era um vestido vermelho, com um decote que ia até quase o umbigo e transparente.

          - Esse aqui você não vai usar. - Avisei e ela caiu na gargalhada.

          - E você continua caindo que nem um pato. O que eu escolhi é esse aqui. - Mostrou e consegui imaginá-la usando. Assenti em silêncio e perguntou: - E aí? Nenhuma reclamação, nem nada?

          - Por que deveria?

          - Uai! Você é sempre tão implicante com as minhas roupas...

          - Querendo ou não, você é a minha mulher e eu não quero que outros caras fiquem te olhando. Só isso.

Me olhou, descrente, e falei:

          - OK. Admito. É um pouco de ciúmes também.

          - E isso é motivo suficiente para me obrigar a usar uma burca?

          - Já percebeu o quanto você é exagerada?

          - E você não é nem um pouco...

Suspirei e respondi:

          - Tá. Chega de discussão. É esse o vestido que você quer?

Concordou.

          - Tudo bem então. Vou providenciar para você.

          - E as máscaras? Como a gente vai fazer?

          - Tem uma loja aqui perto. Quando quiser ir olhar...

De novo, assentiu. Recomeçou a mexer no celular e disse:

          - Crikey!

Olhei para ela, sem entender que porra era aquela e imediatamente, começou a digitar algo. Em seguida, ligou para alguém e, tão logo foi atendida, disse:

          - Roberts, para com tudo aquilo que você está fazendo. Sexta que vem tem show do Fall Out Boy. Se eu tiver de ir sozinha, juro que mando as duas de volta para Londres dentro de uma daquelas caixas de quadros!

Não teve como não rir dela, que já tinha levantado do sofá e andava de um lado para o outro. Assim que passou perto de mim, consegui agarrar seu pulso e a puxei, fazendo com que caísse sentada no meu colo. Por causa da surpresa, acabou caindo de mau jeito e, não sei como, teve tempo de apoiar a mão no sofá, provavelmente para evitar de me machucar.

          - Não foi nada. Fui pega de surpresa aqui. - Houve uma pausa e disse; - Ô Roberts, vai ver se estou na esquina, vai? - Outra pausa. - É? Então estou segurando uma placa gigante escrita - Me olhou. - Foxtrot Oscar.
         
Consegui ouvir a risada da Nicola do outro lado da linha e a Luiza insistiu:

          - Então? Vamos no show ou vocês vão bancar as bundonas?

Ficou séria de repente, começando a mexer em um dos meus anéis e percebi uma coisa.

          - Tá. Vou mandar o link e depois a gente se fala. Beijo.

Assim que desligou, mexeu um pouco e, quando tive sua atenção integral, peguei a sua mão esquerda, mais precisamente o dedo anelar, e perguntei:

          - Por que começou a usar do nada?

          - Uai, mas você não faz questão de falar que sou sua mulher e tal? Sem falar que gostei de verdade da aliança. Discreta, de prata...

          - Se bem me lembro, acho que era de ouro branco. Exigência sua.

Ergueu a sobrancelha.

          - Achei que você estivesse bêbado demais para lembrar de alguns detalhes tão... Menores.

          - É, mas costumo reparar em certas coisas.

          - É verdade... Virginiano até o último fio de cabelo.

A olhei, sem entender aquilo e perguntei:

          - E quem te disse que você vai sozinha? Se quiser, não tem nenhum problema para mim.

          - Sério? - Quis saber e concordei. - Por mim tudo bem. Tenho certeza que pelas meninas também. O problema é você querer ir com a gente.

          - E por que não ia querer?

          - Simplesmente porque é aí que a gente se solta mais, ignorando todo e qualquer ser humano no mesmo ambiente, cantando as músicas a plenos pulmões, dançando feito um trio de loucas, entre outras coisas?

Sorri, imaginando a cena.

          - Sem problemas.

          - Tá bom... Você quem sabe. - Se mexeu, provavelmente desconfortável, e disse: - E está me dando agonia ficar no seu colo.

          - Por quê?

          - Não sou exatamente leve, caso não tenha notado ainda.

          - E...? Você não está me incomodando, de verdade.

Suspirou e falei:

          - O que está me incomodando é outra coisa.

          - O quê?

Sem qualquer aviso, roubei um beijo daqueles. Claro que, não demorou muito para que o fato de ela estar sentada de lado começasse a me irritar e logo dei um jeito de melhorar aquilo, fazendo com que ficasse sentada de frente para mim, com uma perna de cada lado do meu corpo. E tinha que admitir que, apesar de tudo, aquela saia que usava só me atiçava. Ainda mais que ela tinha um belo par de pernas...

Depois de alguns minutos, deixei sua boca para passar a beijar o pescoço. Não sabia explicar o motivo, mas, desde a primeira oportunidade que tive, me viciei no cheiro da sua pele. E verdade seja dita... Me parecia muito melhor que o da Lydia. E a prova de que estava inebriado foi justamente o meu descontrole; Quando vi, já estava inspirando fundo e sentindo-a estremecer um pouco.

          - Não faz isso, Kaulitz... - Disse, em tom de aviso e com a voz diferente. Era mais baixa e diria que até sensual.

          - E por que não?

          - Estamos no seu escritório, a Claire pode chegar a qualquer minuto...

          - A porta está trancada. E ela nunca entra sem bater.

          - Mesmo assim... Não é exatamente um lugar que me deixa à vontade para...

          - E por que não?

Hesitou, me afastando. Em seguida, me olhou com expressão séria.

          - Eu não quero agora. Não é só por ser aqui, mas porque não estou com vontade.

Suspirei e concordei. Ainda mantinha as mãos sobre a sua cintura e a observei em silêncio. Não resisti e comecei a acariciar seu rosto. Estava quente e notei que as suas bochechas estavam mais rosadas. Notei sua respiração começando a ficar acelerada e, não resistindo, enterrei os dedos nos seus cabelos e fiz com que se aproximasse de mim de novo. E roubei outro beijo, tão ou senão mais intenso que o primeiro. Depois de alguns minutos, já não dava mais para aguentar e a deitei no sofá, ficando por cima dela. Dei um jeito de enroscar as suas pernas em torno do meu quadril e a vontade dela só fazia aumentar a cada segundo que se passava. Deixei minha mão passear livremente pela sua coxa, a apertando quando não conseguia mais resistir e percebi que ela gemia, muito fraco. De novo, abandonei a sua boca para partir em direção ao pescoço e, assim que alcancei seu lóbulo, disse, em tom de aviso:

          - Kaulitz, não faz isso...

          - Me dá um bom motivo.

          - Não posso.

          - Porque você não tem. - Afirmei e ela respondeu:

          - Não. É porque eu sei que você é bem capaz de se aproveitar.

Sorri. Deixando a boca bem próxima ao seu ouvido, a provoquei:

          - E achou mesmo que eu ia perder a oportunidade?

Percebi que sorriu e foi demais para mim. Voltei a beijar a sua boca e com mais empolgação ainda, se é que aquilo era possível. Quando vi, ela já estava erguendo a minha camiseta e, no instante seguinte, a peça jazia no chão. Em algum canto que eu não tinha o menor interesse em descobrir.

          - Vem cá, não acha que está um pouco vestida demais?- Perguntei e ela me olhou, sem entender. Consegui tirar seu casaco e, assim que ia começar a tirar a sua blusa, ouvimos umas batidas na porta e, imediatamente, nos levantamos, nos arrumamos o mais rápido possível. Percebendo a minha situação, hesitei e a Luiza teve uma ideia.

          - Não sei se você sabe, mas do jeito que eu estou, um computador no colo não é uma coisa exatamente boa.

          - Ah, então quer que a Claire veja que você teve uma ereção nada discreta?

Abri a boca para responder, mas não tive o que responder. Tive uma ideia melhor e fui me sentar à minha escrivaninha. Em seguida, a Luiza, rindo, foi abrir a porta.

No final da tarde, não resisti e parei para observá-la por alguns minutos. Perguntei:

          - Por um acaso o J.J. não te ligou para falar daquela ideia do comercial?

          - Não. Até achei que talvez ele tivesse conversado com você, que é amigo dele...

De repente, seu celular deu o aviso de mensagem e pegou o aparelho. Leu e, em seguida, perguntou:

          - Hã... Posso te pedir uma coisa?

          - Claro.

          - As meninas podem ir lá para a casa hoje?

          - Algum problema?

          - Não. É que... - Hesitou.

          - O que foi? Pode confiar em mim, Luiza.

Respirou fundo e disse:

          - De tempos em tempos, a gente inventa de fazer uma... Um jogo, por assim dizer.

          - Que tipo de jogo?

Hesitou de novo.

          - Se você não me falar logo, vou começar a imaginar outro tipo de coisa. - Falei, sorrindo malicioso, só para provoca-la.

          - Seu pervertido! Elas são como irmãs para mim! - Falou, batendo no meu braço, me fazendo rir. - Tá. A gente faz isso por minha causa. Sempre tive dificuldade em falar abertamente quando tinha algum problema e a gente sempre faz isso quando uma de nós realmente precisa desabafar. Ou até mesmo confessar alguma coisa. Ainda mais que, de nós três... Bom, nenhuma de nós consegue falar sobre o que está sentindo quando estamos sóbrias.

          - E nunca deu problema?

Negou com a cabeça.

          - Só teve uma única amiga com quem eu realmente briguei e é a cuja amizade dura mais tempo também. Mais de dez anos e a gente até hoje se fala.

          - Ela sabe do casamento?

Assentiu.

          - Me xingou até porque enchi a cara e me casei em Las Vegas. E ela foi a única que soube com quem eu me casei.

          - Ah é?

De novo, concordou.

          - E você dá azar para ela.

          - Como assim? Ela é uma alien! Deveria dar sorte para ela!

          - Então... Ela não é uma alien. E não deu sorte. Principalmente porque você foi o motivo de uma das duas brigas.

          - Espera. Me conta essa história direito.

Explicou que, na época, as duas se desentenderam, a amiga falou uma coisa que a Luiza não gostou e assim, brigaram e ficaram um bom tempo sem se falar. Depois, se acertaram. E a Luiza brigou de novo com ela. E se passou mais um tempo. A minha mulher não aguentou e fez as pazes com a amiga e desde então... Custavam um pouco a se encontrar, mas ainda sim...

Quando chegamos em casa, não muito tempo depois, ela foi guardar as bebidas (uma garrafa de vodca e outra de vinho) enquanto eu, aproveitando a oportunidade, mandei uma mensagem para o meu irmão. Logo em seguida, perguntei para a minha mulher:

          - Posso me juntar à vocês?

          - Tem certeza? Depois do que você ouvir, vai mudar de opinião a respeito de nós três...

          - E quem disse que só vocês têm confissões assustadoras para fazer?

Estreitou os olhos e disse:

          - Vou tentar não fugir daqui depois que acabarmos.

Ri e falei:

          - Eu... Sei que deveria ter falado com você, mas... Chamei o Tom.

          - Olha... Por mim e pela Lola não tem problema. Agora a Di... Bom, ou ela pode se tornar um doce ou vai ser rude. Torçamos para que a primeira aconteça, sim?

Sorri, concordando. Em seguida, subiu e aproveitei para ir atrás dela, ver como a mudança do quarto havia ficado. Desde que voltamos, ela vivia enfiada ali e não me deixava ver absolutamente nada. Já tinha voltado a dormir lá e, para o meu azar, fechava as cortinas, de modo que era impossível ver qualquer mínimo pedaço.

Bati na porta e perguntei:

          - Até quando vai ficar mantendo a redecoração do quarto em segredo?

          - Só um instante! ­- Disse, provavelmente no closet. Não muito tempo depois, apareceu, usando um vestido de alças e com estampa xadrez cor de turquesa. Havia prendido os cabelos em um coque alto e, para completar, estava descalça.

          - Lembrando que tudo o que eu fiz é reversível. Depois que eu... Enfim. Se quiser, pode voltar ao que era.

Me deu espaço e, assim que estava ali dentro, olhei para o monte de coisas ao meu redor. A parede atrás da cabeceira estava pintada de vermelho, mas mais esmaecido. O edredom era branco e haviam almofadas com estampas listradas alternadas com as de bolinhas vermelhas. Sobre cada novo criado mudo, da mesma cor do edredom, havia um abajur de vidro transparente, combinando com a parede. A luminária do teto era um lustre, diferente e, ao mesmo tempo, moderno. Reparei que os móveis eram brancos e só os objetos de decoração que eram vermelhos, sendo que algumas coisas eram em diferentes tons. Estava bem diferente e tinha ficado realmente interessante, apesar de ser só vermelho e não ter outra cor.

          - E aí? - Perguntou e fui andando até a cama. Me sentei sobre o colchão e a provoquei:

          - Será que ela vai aguentar nós dois aqui?

Revirou os olhos e só disse:

          - Larga mão de ser tarado, Kaulitz!


quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

What happens in Vegas... Might not stay in Vegas - Capítulo especial de Natal



Raise up the cups of Christmas cheer

E, de repente, nós rimos muito
E percebemos o que havia acontecido
A magia do Natal deu a esta história
Um final muito feliz

(Spice Girls - Christmas Wrapping)

Luiza

[Flashback - Um ano antes]

Ok. Pode falar que eu sou louca, mas sabe quando você começa a desconfiar que tudo tá dando errado, não por culpa daquele infeliz do Murphy, mas por pura obra do destino? Tipo, meus planos para aquele Natal eram ir para Roma, ficar com a família, comer todas aquelas coisas absurdamente engordativas e, para perder todos aqueles quilos que havia ganhado, ia levar os Pugs da Nicola para passear. Sem falar que ia queimar muitas calorias dançando no balcão, como sempre. E o principal detalhe: O Alex ia ficar em Londres e íamos nos ver quando eu voltasse. As meninas iam para as respectivas casas e beleza. Só que a Lee, mãe do Alex, teve a brilhante ideia de fugir do frio londrino e arrastou os filhos (O Alex tinha um meio irmão) para um lugar onde estava longe de ser frio: Sydney. Eu sabia que a Lee tinha uma irmã que morava lá e, por isso, para fugir do inverno... Foi ver os cangurus de perto. Resultado? Já estava na abstinência por uns dias. Ia ficar mais de mal humor que antes. Mal humor que foi piorado quando o meu voo para Roma foi cancelado por causa de uma nevasca daquelas. Ou seja? Ia ficar sozinha em Londres em pleno Natal...

... Isso até a Deborah e a Lillian, mães das meninas, terem a brilhante ideia de virem a Londres com toda a turma e almoçar na casa do Charlie, que era suficientemente espaçosa. O Stephen, no entanto, decidira que ia abrir o bar de um jeito ou de outro. Ainda mais que estava falando para quem quisesse ouvir que ia ser diferente...

Afora isso, eu estava sentindo que alguma coisa ia acontecer. Era a primeira vez na vida que aquele sentimento aparecia e era estranho, não tinha como negar. Estava cismada, como sempre, e as meninas perceberam isso. Não falaram um A enquanto nos arrumávamos para ir ao bar e elas sabiam que, quando eu quisesse, ia falar com as duas.

Quando estávamos prontas, olhamos uma para a outra e a Di perguntou:

          - Só eu que estou com um instinto assassino para com nosso chefe?

Rimos e falei:

          - Ok. Ideia: Sobretudo por cima das roupas e botas comuns. Essas de elfos a gente leva numa bolsa grande e troca quando chegar lá. Quem concorda... Fala Louboutin.

          - Louboutin! - As duas disseram ao mesmo tempo e eu fui buscar a bolsa enquanto elas providenciavam os casacos. Estávamos vestidas como ajudantes sexies de Papai Noel, com meias-calças listradas de branco e vermelho. A fantasia não era feia. O problema era andar pela rua vestida com ela. E a bota com a ponta curvada e guizo. A bota era demais. Era implorar para o povo rir da nossa cara.

De repente, ouvi a Di falando:

          - As orelhas! Alguém viu as orelhas?

Ergui o olhar e vi as orelhas pontudas sobre a minha mesa. Estava encarregada de tentar achar um jeito de fixa-las melhor e decidi levar para colarmos no bar. Pus na bolsa e, depois de avisar as meninas, a Lola me entregou o sobretudo e trocamos as botas. Assim que saímos, depois de certificar que não tínhamos nos esquecido de nada, fomos até a estação de metrô, tentando segurar o riso e a Di falou, quando estávamos descendo as escadas:

          - Imagina se alguém tenta roubar a gente? A frustração que vão ficar ao abrir a bolsa e encontrar três pares de sapatos de elfos?

Conseguimos nos manter sérias.

          Logo que chegamos ao bar, o Stephen não estava à vista e corremos para o nosso cantinho e trocamos as botas e colocamos as orelhas. Às dez, o bar abriu e já estávamos à postos. Fizemos alguns vários drinks e, quando estava perto das onze, nosso chefe nos mandou subir no balcão.

          - Vejam pelo lado positivo. - Falei, tentando animar as meninas enquanto checávamos os microfones. - Pelo menos a gente não está como a Caroline e as outras...

As duas olharam para um pequeno grupo de Coyotes que tinham sido obrigadas a se vestirem de renas. Assim, a fantasia não era feia. O problema eram os arcos com galhos de pelúcia e a pior parte: Os narizes tiveram de ser pintados de vermelho.

          - Vejam pelo lado positivo: Se a gente jogar o Stephen no Tâmisa... A gente perde a casa. - A Lola disse.

          - E desde quando isso é positivo? - Perguntei.

          - Ele fica vivo e a gente fica com a casa. - Respondeu sorrindo.

          - Okay... - Falei, assentindo. Quando já estava tudo pronto, ouvimos os primeiros acordes da música e cantei, dançando meio de lado e fazendo um passinho que consistia em bater cada pé uma vez:

Jingle bell, jingle bell
(Toca o sino, toca o sino)
Jingle bell rock
(Toca o embalo do sino)
Jingle bell swing
(O sino toca e balança)
And jingle bells ring
(E os sinos tocam)

Logo, a Di, que estava atrás de mim, cantou também:

Snowing and blowing
(Nevando e ventando)
Up bushels of fun
(um monte de diversão)

E nós três cantamos, mexendo os quadris de um lado para o outro e quase perdendo o controle sobre o riso:

Now the jingle hop has begun

(Agora a dança do sino começou)

Será que podia ficar pior?

Bill

Quando o Tom cismou em vir para Londres e tentar encontrar a garota do bar, não imaginávamos que ela ainda estaria lá e trabalhando em plena noite de Natal. E vestida de elfo. Ela e mais duas amigas quase não aguentavam e riam da própria apresentação. Estava realmente... Bonitinha justamente por isso. A garota que tinha cantado primeiro tinha chamado minha atenção. Não por ser tão branca quanto a ruiva. Mas... Havia algo de hipnotizante nela. Não sabia dizer o que era, exatamente. Mas ela conseguia ser... Cativante. Essa era a palavra.

Elas dançavam em perfeita sincronia, embora a música fosse uma daquelas clássicas de Natal e o arranjo não fosse monótono. Assim que acabou, outra começou, só que muito mais animada e o Tom disse:

          - Estou começando a sentir dó dessas meninas... Além de trabalhar em pleno Natal, ainda têm que ficar apresentando esse tipo de coisa.

De graça, elas se juntaram às colegas de trabalho que subiram ao balcão e ficaram lado a lado. De repente, começaram a dar tipo um chute no ar e só então, percebi que elas usavam botas com as pontas curvadas, como as dos elfos.

          - Espero que o chefe delas realmente esteja pagando muito bem para que façam isso. - O meu irmão falou e sorri fraco.

Depois da apresentação, elas sumiram por uns instantes e, entre uma coisa e outra, me distraí e não vi mais a garota. Estávamos em uma área reservada do bar e, portanto, apesar vermos todo mundo, o contrário não acontecia. Perto da meia-noite, quando eu precisei ir ao banheiro, um dos funcionários me avisou que eu teria de usar o outro, já que o que estava perto de onde estávamos tinha dado problema. Então, evitando ao máximo de ser reconhecido, fui na direção que tinha me sido indicada e, logo que fechei a porta... Acabou a luz. Não fosse o suficiente...

          - Ai, tá de sacanagem comigo! - Ouvi uma garota dizer.

Ela pareceu perceber que eu estava ali e perguntou:

          - Di? É você?

Pigarreei e a minha garganta doeu. Acho que essa viagem para Londres não foi uma boa ideia...

          - Na realidade... Eu estava precisando usar o banheiro, se você não se importar. Um cara me falou que o outro banheiro está quebrado...

          - Ah... Ok. - A ouvi dizer e, com o celular, consegui encontrar uma das cabines. Perguntei:

          - Desculpa, mas... Onde você está?

Houve um instante de silêncio e disse:

          - Terminando de me arrumar. Tem medo do escuro?

          - Não. Só... Não quero que... Aconteça algum acidente.

A ouvi fazer um barulho, como se estivesse rindo e ela saiu. Usei o banheiro e, logo que terminei de lavar as mãos, ouvi um barulho e perguntei:

          - Tem alguém aí?

          - Sou eu ainda! - A garota falou. - E eu realmente espero que você não sofra de claustrofobia, porque essa porcaria de porta acabou de bater e emperrar. Estou tentando avisar o Stephen.

          - Stephen? - Perguntei.

          - Dono do bar. - Ela respondeu. De repente, falou um palavrão.

          - O que houve?

          - A bateria do meu celular acabou.

          - Quer o meu emprestado?

          - Ah... Obrigada, mas já consegui mandar a mensagem. - Respondeu. Consegui encontra-la e não consegui controlar a curiosidade:

          - Você estava cantando em cima do balcão?

          - Estava. Com as botas e orelhas de elfo, meias listradas e tal.

          - Vocês usaram orelhas de elfo?

          - É. Ossos do ofício.

Ficou quieta por um instante e, quando tornou a falar, quis saber:

          - Veio sozinho?

          - Não. Meu irmão, minha mãe e meu padrasto estão com a gente. E você?

          - É... Não tive tanta sorte, já que a minha família está longe e não pôde vir...

          - Se... Quiser, pode se juntar à nós. - Ofereci e percebi que ela estava sorrindo.

          - Obrigada, mas... Este vai ser o primeiro Natal que consigo passar com as minhas amigas. Sempre cada uma vai para um lado...

          - Ah... Sem problemas. - Garanti. De repente, ouvimos um vozerio e ela grunhiu um pouco fraco.

          - Já é meia-noite.

          - Bom... Nesse caso... - Saí em busca dela, apesar de estarmos perto um do outro. De repente, toquei algo morno e macio e me dei conta que era a mão dela.

          - Espera. Fica quieto por um instante, por favor. - Pediu. Não me mexi e ela conseguiu me abraçar. Me surpreendi por ela ser mais alta do que eu imaginava. Quer dizer, era mais baixa que eu, mas... Enfim, deu para entender. De repente, começamos a ouvir uma música de Natal estranha e erguemos as cabeças para ver um daquele visco, aparentemente de plástico e com a bateria fraca. Ela suspirou e disse:

          - Eu vou matar minha amiga. Ela que pendurou essa porcaria aí em cima e...

          - Acho que a gente tem que seguir com a tradição... - Arrisquei. - Isto é... Você não tem namorado, tem?

Riu fraco e disse:

          - Não. E você? Tem namorada?

          - Não. E por mim...

          - Ok... Deixa só...

Percebi que se esticou um pouco e me inclinei na sua direção. Como ia conseguir achar a sua boca naquela escuridão toda... Era um mistério. Por sorte, a porta tinha um vidro. E alguém passou por ali segurando uma vela. Mesmo com a pouca iluminação, consegui ser rápido o bastante para não errar e a beijei. De cara, senti que sua boca era carnuda e, claro que não perdi a oportunidade para mordê-la de leve. Em resposta, ela entrelaçou os dedos no meu cabelo e os puxou de leve. Com a outra mão, arranhava a minha nuca e tinha certeza que, se demorasse mais um pouco, não ia conseguir me segurar. Era estranho. Nem ao menos sabia como ela era (Principalmente porque só me preocupei em ver onde ela estava) e me sentia completamente atraído por essa garota.

Quando nos separamos, ambos ofegantes, ouvimos uma movimentação em que pareciam ter se dado conta do nosso sumiço e perguntei:

          - Qual é o seu nome?

          - Izzy. - Respondeu. - E o seu?

Hesitei por um instante e respondi:

          - Will.

Sabia que ela estava sorrindo e, graças à confusão, pude “sumir” sem que ela percebesse. Era melhor que não soubesse quem eu era, senão não queria nem imaginar o que ia acontecer caso descobrisse...

[/Flashback]

Luiza


Estava me lembrando do último Natal, sentada à beirada da janela quando notei o Bill chegando perto de mim. Perguntou:

          - O que foi?

          - Estava... Lembrando de uma coisa que me aconteceu no ano passado.

          - O que era?

Respirei fundo.

          - Eu fiquei com um cara.

          - Não era o Alex?

Neguei. Franziu as sobrancelhas e disse:

          - E como ele se chamava? Você sabe?

          - Will.

Fez uma cara engraçada e perguntou:

          - Você não trabalhou no bar ano passado, em pleno dia de Natal, trabalhou?

Concordei.

          - O Stephen nos fez usar uma roupa de elfo que era até bonitinha, junto de umas próteses de orelhas e umas botas que as meninas nem sonham que eu guardei. Eram pretas, de salto e com pontinhas viradas para dentro.

          - Ok... - Assentiu lentamente.

          - O que foi?

          - Você por um acaso se lembra de alguma outra coisa desse tal de Will?

          - Era fumante, mais alto e tinha spiderbites. E a voz dele era parecida com a sua. Por quê?

Me olhou e na mesma hora a ficha não caiu. Despencou em queda livre.

          - Eu não acredito! - Exclamei, batendo no seu ombro enquanto ele ria.

          - Quem diria, hein?

          - Por que você não me falou nada?

          - Você nunca tocou no assunto... Até achei que não se lembrava... - Respondeu, sorrindo.

          - Meu Deus! Então o nosso primeiro beijo não foi em Las Vegas, mas em Londres... As meninas vão surtar se eu contar para elas.

          - Filma e depois me mostra.

Ri e concordei.

          - A propósito... - Falou, mexendo no bolso da jaqueta. Prendeu algo na janela e, assim que terminou, vi que era o mesmo visco que a Nicola tinha prendido acima da porta. - Me lembra de agradecer à Nicola por ter guardado.

Sorri e ele disse:

          - Acho que a gente tem que seguir com a tradição... Isto é... Você não tem namorado, tem?

          - Não. E você? Tem namorada?

          - Não. E por mim...

Sorri e claro que nos beijamos. 

What happens in Vegas... Might not stay in Vegas - 14º capítulo


É difícil dizer em que estrada nós estamos viajando
às vezes ela nos leva a algumas cidades horríveis
mas de algum jeito, nós continuamos, ambos: nossas mãos e pés
no chão do carro e no volante

(Sixpence none the richer - Us)

Luiza

Ai minha cabeça. Maldita hora em que decidi parar de frescura e tomar aquele monte de drinks. Tentei me mexer, mas tinha alguma coisa pesada, grande e quente me segurando. Sem falar que, mesmo de olhos fechados, a claridade incomodava e muito. Fazendo um esforço tremendo, abri os olhos e gemi ao senti-los ardendo. Sem falar na maldita fotofobia. A coisa grande, pesada e quente se mexeu e me puxou para mais perto. Foi quando caiu a ficha. Era o Bill. Me obriguei a abrir os olhos de novo e a primeira coisa que vi foi o meu vestido jogado perto da janela. “Estou usando pelo menos a calcinha! Estou usando pelo menos a calcinha!” era meu mantra. O Bill se mexeu e, com isso, senti uma coisa e percebi que não estava usando nada. E nem ele. Grunhi e ele acordou, me dizendo com a voz mais sexy e rouca do universo:

          - Bom dia, rabugenta...

Consegui soltar um braço e levantei o lençol, gemendo ao constatar que realmente estava pelada.

          - O que foi? - Ele perguntou e o empurrei, para que finalmente me libertasse. Assim que o fez, me sentei, tomando o máximo de cuidado para não mostrar nada além dos braços e, no máximo, o colo e as costas. Pedi:

          - Por favor, me diz que a gente não fez o que acho que a gente fez.

Me olhou, com uma cara de confusão e disse:

          - Se você está achando que a gente fez sexo... Eu não sinto muito, mas... A gente fez.

Gemi, escondendo o rosto nas mãos e ele, só para me provocar, falou:

          - E cá entre nós... Você está entre as melhores.

Olhei para ele e falei:

          - E você é o pior!

Me levantei da cama, tomando o cuidado de me cobrir e ele continuou:

          - Não sei para quê ficar se cobrindo, se conheci cada mínimo pedaço do seu corpo... Até os mais escondidos...

Aproveitando que tinha uma poltrona com uma almofada ali ao lado, agarrei a bendita e atirei nele com o máximo de força que consegui. Fui até o banheiro e, depois de fazer xixi, me olhei no espelho. Meu cabelo estava num desgrenho que dava até vontade de chorar. Essa era a única coisa ruim, porque de resto...

Notei o roupão em um cabide ao lado do box e o vesti. Voltando ao quarto, o Bill continuava deitado, só que com o lençol quase mostrando o... Enfim. Peguei o celular e vi que era quase meio-dia. Resmunguei um palavrão em português e corri para me arrumar. Enquanto caçava uma roupa dentro da mala, ouvi o Bill perguntar:

          - Vai sair?

          - E desde quando isso é da sua conta? - Respondi, de péssimo humor.

          - Se toda vez que a gente transar, você ficar assim...

Estreitei os olhos, já com a camiseta e a calça na mão.

          - Essa foi a primeira e única vez que esse deslize acontece.

          - Se esqueceu da aposta?

Bufei.

          - A aposta ainda não está ganha, Kaulitz. E se bem me lembro... Foi sua ideia de suspendê-la.

          - Será mesmo? - Perguntou, se levantando e desviei o olhar dele quando ficou de pé. Corri para o banheiro e me arrumei o mais rápido que pude. Quando saí, ele entrou e rapidamente peguei o par de sandálias e a bolsa e saí. Ainda no lobby do hotel, pus os óculos escuros e saí andando, pensando em como ia conseguir um táxi. O porteiro do hotel me ajudou, dando um senhor assobio e um carro parou ali na frente. Agradeci a ajuda e disse ao motorista aonde queria ir.

          No meio do caminho, digitei uma mensagem rápida, avisando que ia me atrasar um pouco. Desde que me mudei para Londres, aprendi a chegar na hora e passei a detestar quando demorava, mesmo que cinco minutos a mais, até chegar.

Assim que o carro parou em frente ao restaurante italiano em Astoria, paguei a corrida e desci do carro. Entrando no restaurante, um dos garçons veio me oferecer uma mesa e falei:

          - Na realidade... Estou procurando uma pessoa.

Dei a descrição e me pediu para acompanha-lo. Me guiou até os fundos do lugar, que era tipo uma área privativa, e, logo que me viu ali, se levantou e veio me cumprimentar, com dois beijos no rosto.

          - Me desculpe. - Falei, depois que o garçom se afastou para pegar os cardápios.

          - A farra ontem foi boa pelo visto...  - Disse e queria me enfiar debaixo da mesa. O garçom voltou e cada um fez um pedido:

          - Não vou querer antepasto, então pode me trazer uma dessa salada de carpaccio de Bresaola. E água sem gás, com uma rodela de laranja e sem gelo, por favor.

          - Vou querer o mesmo que ela.

O garçom se afastou e tivemos a oportunidade de conversar.

          - Ei... Eu falei sobre ontem, mas foi brincando. - Disse, erguendo meu queixo.

          - Não é culpa sua. Eu... Tenho que te contar uma coisa.

          - Já está grávida?

          - Quê? Não! Quer dizer, até onde eu sei, não.

          - Então... Já dormiu com ele?

          - Era justamente isso que eu quero te dizer. Ontem foi a primeira e única vez.

Me olhou, analisando e diria que até estava especulando.

          - Mesmo se não tivesse se casado com ele, é livre para fazer o que quiser. - Respondeu e prendi a respiração. O garçom trouxe os pedidos e falei, depois que se afastou:

          - Aí que está. Você me conhece. Eu não queria que tivesse acontecido!

          - Tem certeza? - Perguntou e assenti.

          - Você sabe que se não quero, não faço.

Continuou me avaliando com o olhar e falei:

          - Eu ia aceitar.

          - Ia?

Assenti.

De repente, ergueu o olhar e fez uma cara estranha. Como eu estava sentada de costas para a entrada, não consegui entender de imediato o que havia acontecido.

          - Podia pelo menos ter me dito quem era. - Disse, antes de se levantar. Naquele instante, a ficha caiu e não me levantei. Nem olhei para trás, embora pudesse ouvir sua voz:

          - Ah, Luiza... Podia ter me dito que ia almoçar fora...

Finalmente ergui o olhar e o filho da mãe estava com um sorriso irritante no rosto.

          - Sou o marido dela. - Falou, esticando a mão.

          - Eu sou...

          - É, eu sei quem você é... Alex Ireland. E então? Posso me juntar à vocês?

          - Claro. - O Alex disse e tive vontade de dar um soco nele também. O Bill se sentou ao meu lado e ainda passou o braço sobre meus ombros. Comecei a cutucar um pedaço de anchova com a ponta do garfo e o Alex comentou:

          - Engraçado, porque sabia que a Luiza tinha se casado em Las Vegas, mas nunca ia imaginar que era com você...

          - Por quê? - O Bill perguntou.

          - Quais são as chances de isso acontecer com uma fã? - O Alex devolveu a pergunta e o chutei por debaixo da mesa. Senti o olhar do Bill em cima de mim e me concentrei em continuar a cutucar a anchova.

          - Você não falou que era minha fã... - Disse e finalmente desviei a atenção para ele.

          - Dei bandeira por todo esse tempo, sem falar na condição que te impus... E você não perguntou. Achei que fosse um pouco mais... Esperto. - Respondi, usando o mínimo de sarcasmo possível. O Alex só nos observava, com o sorrisinho canalha.

          - Teria me respondido ou ia fazer como nas outras vezes em que tentei descobrir mais coisas ao seu respeito? - Perguntou, usando o mesmo tom ácido que o meu.

          - Kaulitz, eu realmente estou me controlando para não enfiar esse garfo na sua coxa. Não abusa da sorte.

Manteve o sorriso torto e começou a conversar com o Alex. Dava para sentir o clima de tensão ali e eu estava me sentindo no meio do fogo cruzado. Sabia que o Bill estava morto de ciúmes do Alex e vice-versa, já que eles sutilmente se alfinetavam. Por fim, quando toda aquela tortura acabou, aproveitei a chance que tive, quando o Bill foi ao banheiro para pedir para o Alex:

          - Você sabe muito bem que a gente precisa realmente conversar. Sem interrupções.

          - É, mas depois de amanhã você vai estar em Los Angeles.

De repente, me ocorreu uma ideia.

          - As meninas.

Me olhou, sem entender e expliquei:

          - Elas estão aqui. Bom, aqui em Nova Iorque só a Lola. Mas elas são minhas vizinhas. Se você pudesse esticar sua estada aqui nos Estados Unidos por... Sei lá, nem uma semana, te seria eternamente grata.

          - Como sempre... A gênia do crime.

Sorri e disse:

          - Faz o seguinte: Se conseguir, liga para a Lola e pede para passar o recado. Senão, pode me mandar mensagem. Depois, tão logo eu consiga falar com você, caso possa ir para Los Angeles, te explico direitinho como a gente vai fazer para conversar.

          - Tudo bem. Iza, só... Me responde uma coisa. Ele está te tratando bem?

          - É um pouco implicante, mas isso aí já é característica natural dele. - Respondi. - Pode deixar que, qualquer coisa, tenho amigas que não são grandes, mas são duas. Dão conta do recado tranquilamente.

Riu e falou:

          - Se ele fizer qualquer coisa com você, me avisa que eu venho correndo te buscar, entendido?

Concordei e justamente nesse instante, o Bill voltou. Fez questão de manter o braço em torno da minha cintura e, quando consegui afastar, insistiu no contato físico. Na mesma hora, pensei nele como um gato, que fica se esfregando em tudo para demarcar território. Ficou óbvia a simpatia forçada que teve ao se despedir do Alex e nem pude me despedir direito, já que saiu me puxando pela cintura antes mesmo que eu demorasse um segundo a mais.

Quando chegamos à suíte, claro que houve briga e justo quando estava começando a perder o controle, bateram na porta. Era o gerente, avisando que alguns hóspedes estavam se queixando e, como eu ainda estava irritada, acabou sobrando para ele também:

           - Então o senhor me faça o obséquio de falar com esses hóspedes que é para experimentarem viver obrigada com uma criatura que nem esse... Aí, controlando absolutamente a vida inteira!

          - Aproveita e pergunta para os hóspedes se eles iam concordar que o marido ou esposa se encontrasse escondido de alguém com quem eles dormem com certa frequência!

A cara de surpresa do gerente foi hilária. Mas ele escapou por muito pouco mesmo de tomar uns tapas.

          - Dormia! - Me defendi.

          - É... Só porque ele estava a um oceano inteiro de distância. Senão, duvido que você não iria correndo para a cama dele!

Em poucas passadas, me aproximei do Bill e dei aquele tapa estalado no seu rosto, reunindo o máximo de coragem e força que consegui.

          - Nunca mais faça uma insinuação desse tipo. Se eu estou casada com você, não vou te trair.

Só então notei que a Nicola estava parada ali na porta, com expressão do mais absoluto choque, olhando do Bill para mim.

Assim que chegamos ao seu quarto, não consegui mais me segurar e a Lola tentou me acalmar.

          - Não estou te culpando em cem por cento. Mas te garanto que essa confusão toda seria evitada se tivesse dito a verdade para ele.

          - Quem te garante? Quer dizer, não duvido nada que ele teria me prendido no quarto de uma maneira ou de outra!

Suspirou e falei:

          - E essa crise de ciúmes dele foi o menor dos problemas.

          - Tem mais?

Assenti.

          - Estou até com medo de descobrir...

          - A gente transou noite passada. - Falei.

          - ALELUIA! - Disse, se levantando e me abraçando. - Ai, tenho que dar a notícia para a Nadine!

De repente me ocorreu uma coisa e ela, percebendo meu ar de preocupação, perguntou:

          - Me diz que eu estou pensando coisa errada...

          - Acho que você está pensando certo. - Falei. - Ai que raiva que eu fiquei bêbada ontem! Odeio quando isso acontece nessas circunstâncias.

Arqueou a sobrancelha e disse:

          - Bom, sempre tem a pílula do dia seguinte.

Me lembrei de uma coisa e saí do quarto, sendo seguida pela ruiva. Entrei no quarto, ignorando totalmente se o Bill estava lá ou não e fui até a minha bolsa. A pus sobre a cama e olhei o compartimento secreto. Assim que tirei todos os pacotes de camisinha, a Lola arregalou os olhos e falou:

          - Acho que nunca vi tanta camisinha junta num só lugar na minha vida inteira.

Ri e falei:

          - Tem mais na mala.

          - Wow! Você estava realmente planejando transar com o Bill, é isso?

          - Claro que não! E as da mala estão aí por causa daquela viagem que fiz com o Alex, antes de ter a ideia de irmos para Las Vegas.

          - Suas explicações não estão ajudando, Luiza. - Falou, rindo e tive que acompanha-la.

          - Quer uma que vai ajudar e muito? - Assentiu. - Estou cercada de homens gostosos. Tenho mais é que ser prevenida até que chegue a hora certa, não é?

Riu e contei os pacotes. Não contive o sorriso ao ver que tinha um faltando. O que só podia significar uma coisa. Me abaixei, olhando debaixo da cama e realmente tinha o plástico da embalagem ali de baixo. Fui até o banheiro e era o único lugar que não tinha nenhuma evidência, digamos assim.

          - E aí?

Assenti, sorrindo.

          - Mas como camisinha pode estourar... Vamos comigo atrás de uma farmácia?

          - Vou só pegar a bolsa. - Disse, se levantando e saindo do quarto. Estava terminando de guardar as camisinhas na mala quando senti que estava sendo observada. Sem olhar para trás, falei:

          - Apesar de tudo que você me disse, vou dormir aqui. Reconheço que errei em não ter te dito que ia encontrar o Alex. Fiz isso justamente porque sabia que ia ter toda essa confusão.

O ouvi suspirar e, quando me levantei e fiquei de frente para ele, disse:

          - Me desculpa. Não deveria ter te dito tudo aquilo e muito menos ter me comportado daquela maneira.

          - Realmente. Olha, apesar de tudo que eu possa ter dado a entender, sou fiel à você. Do mesmo jeito que, ainda que não fosse nem um namoro oficial, nunca traí o Alex. E nem outro cara com quem me relacionei. Pode não parecer, mas não sou nada do que imagina. A prova disso é que a coisa mais... Radical que fiz na vida até agora foi ter ido à Las Vegas. Antes disso, tinha sido dançar em cima de um balcão de bar, com um bando de caras me chamando de gostosa. Foi estranho. - Riu fraco e falei: - Eu te entendo perfeitamente. Sei que não sou a pessoa mais fácil de se lidar, mas... É o meu jeito. O que pode aceitar é o fato de que não vou mudar para agradar ninguém. Nem mesmo você. Do mesmo jeito que vou ter de me acostumar à sua personalidade. Principalmente os traços que eu mais odeio.

Me olhou de um jeito que fez meu coração ficar miudinho. Mas não podia vacilar. Peguei a bolsa e, antes de sair, falei:

          - A propósito... Eu menti hoje de manhã.

Me olhou, sem entender.

          - Você foi o melhor. Pelo menos até onde eu lembro...

E saí antes que aquilo ficasse mais constrangedor ainda.

Quando estava andando com a Nicola pela Times Square, conversávamos e ela perguntou, depois que passamos na farmácia (E já aproveitei para tomar a pílula) e fomos à Starbucks:

          - Então... Como foi ontem à noite?

          - Não me lembro, honestamente. Pena, porque foi a única vez. - Falei, firme e ela fez uma expressão de descrença que não deu para me controlar: Bati em seu braço e ela, mesmo reclamando, não desfez a cara. - Estou falando sério.

          - E você quer mesmo que eu acredite em você, com aquele monte de camisinhas dentro da mala? Justamente em você, Luiza, que só não é pior que a Nadine e só pega um cara gostoso atrás do outro?

          - Oi! Um desses caras gostosos é meu marido. Posso não estar apaixonada por ele, mas...

          - Eu te conheço tempo o bastante para saber que você não vai para a cama com um carinha lindo e muito menos porque conquistou a confiança dele. O que eu vi ontem... Iza, não era nem de perto parecido com o que você sente pelo Alex. Era muito mais... Forte.

          - Ah é, espertinha? E como você sabe que era muito mais forte?

          - Porque, apesar de tudo, você olha para o Alex do mesmo jeito que olha para um modelo de cueca da Calvin Klein. Fica babando, gosta muito dele e tal, até tem química, mas com o Bill... Por mais puta que esteja com ele, seu olhar brilha. Quando a Di chegou em Londres e me contou da sentença do juiz, pode ficar brava comigo, mas fiquei feliz por ele ter decidido te deixar morando com o Bill. Sempre soube que você não gostava dele só como fã, por mais teimosa que seja. E sabe disso. Eu sinceramente acho que deveria desistir de ir morar em Roma sozinha. Se teimar, leva ele junto. Ou senão... Fica com ele. Afinal de contas, essa é uma oportunidade única e se você deixar ele fugir assim... - Estalou os dedos. - Juro que vai ter meu ódio eterno.

Arqueei a sobrancelha e disse:

          - E eu sei que a Di vai me apoiar.

          - Nem um pouco de pressão. - Falei e ela, rindo, respondeu:

          - É proposital justamente porque eu sei que é uma coisa que você odeia...

          - Sabe muito bem que eu posso fazer o oposto de birra, só porque você está me pressionando desse jeito, não é?

          - Bom, você é quem sabe... Se quiser se arriscar a perder duas amigas numa só tacada... - Disse e falei:

          - Você é inacreditável, Roberts!

Sorriu de um jeito inocente e doce.

Voltamos para o hotel, quase no começo da noite e, assim que entrei no quarto, estava tudo escuro e silencioso. No entanto, sabia que o Bill estava ali. Fui andando até o quarto em estado de alerta e, vendo que a sua jaqueta estava jogada sobre a cama. Fui andando até lá e pus a mão sobre o forro, sentindo que estava quente. De repente, ouvi o barulho do chuveiro e resisti à tentação de ir lá. Em vez disso, troquei de roupa e liguei a TV depois de deitar na cama, com os pés na direção da cabeceira. Estava passando uma reprise de Friends e era um dos episódios mais engraçados. Não consegui me controlar e ri de várias coisas que aconteceram. De repente, notei um movimento perto de mim e, quando vi, o Bill tinha saído do banheiro. Como sempre, não se intimidou em trocar de roupa na minha frente e me esforcei para prestar atenção ao comentário infeliz que o Joey fazia. Depois de colocar só uma boxer preta, o Bill se deitou ao meu lado, e perguntou:

          - Tem muito tempo que você chegou?

Neguei.

          - O suficiente para trocar de roupa e descobrir essa reprise. - Falei, me sentando de frente para ele, na posição de índio.

          - Está com fome?

          - Descobri que aqui perto tem Starbucks.

          - Está lembrada que amanhã a gente volta para Los Angeles, não é?

          - Já?

          - Acabamos ficando um dia a mais...

          - E sua mãe vai voltar para a Alemanha com o Gordon?

          - Sim. Mas mês que vem eles vão para LA por causa do meu aniversário.

          - Já sabe o que vai fazer?

          - Alguma ideia?

          - Para te falar a verdade... Tenho. E vou precisar da sua ajuda.

Me olhou, estranhando e garanti:

          - Não se preocupe, porque você e o Tom vão gostar. E muito.

          - Estou com medo. - Disse, rindo fraco e dei um estalo com a língua.

          - O fato de eu não gostar do meu próprio aniversário te diz alguma coisa?

          - Sim. Que estou certo em ter medo.

Bati no seu ombro de leve e riu.

          - Pergunta para a Lola e a Di. É a melhor coisa que você tem a fazer.

Assentiu e, de repente, propôs:

          - Tive uma ideia. Vai se arrumar que vamos sair.

          - E aonde vamos?

          - Do mesmo jeito que vou confiar em você para o meu aniversário... Vai ter de confiar em mim.

          - Tá... E me visto como?

          - Jeans e camiseta está bom.

Concordei, indo até a mala e já escolhendo a roupa.

Pouco tempo depois, estávamos andando lado a lado e, em menos de dez minutos depois, quando chegamos, falei:

          - Está de sacanagem comigo!

          - Já tentou alguma vez?

          - Tem sorte de estarmos em público e eu não poder dar chilique. - Riu e falei: - E me vangloriando um pouco... Na primeira vez em que patinei no gelo, consegui ficar quase uma hora inteira sem cair. Em compensação, faltando uns... Cinquenta segundos para terminar o tempo, acabei tomando um tombo. Foi efeito dominó.

          - Convencida. Quero ver se vai conseguir ficar esse tempo todo em cima dos patins...

          - Beleza. Vamos fazer uma aposta então. Se eu conseguir ficar uma hora inteira sem tomar um único tombo... Você vai me pagar um café da Starbucks.

          - E se você cair?

          - Então, eu te pago o café e - Enfatizei o “e” - um bolinho e mais alguma outra coisa para comer.

          - Me parece justo.

Só quando estava terminando de calçar os patins é que notei uma coisa.

          - Você realmente fechou a pista só para nós dois?

Deu um sorriso daqueles mais fofos e falei:

          - Era o mínimo que eu tinha que fazer para me redimir.

Arqueei a sobrancelha.

          - Imagino o máximo...

Riu e logo, pudemos ir. E ele, logo de cara, já tomou um tombo. Desde que conheci as meninas, costumávamos ir às pistas de patinação no gelo quase todos os dias e, por isso, já tinha um pouco de prática e confiança. Foi por isso mesmo que decidi me arriscar a dar uma pirueta. E a cara dele ao ver isso foi hilária. Me aproximando dele, falei:

          - Estou pensando seriamente em incluir um bolinho no meu prêmio da aposta...

          - Convencida!

Ri e comecei a deslizar, cada vez mais me afastando dele.

Quase meia hora depois, me lembrei dos casos que minha avó me contava. Por ser oito anos mais nova que a minha tia-avó, minha bisavó acabava mandando as duas irem juntas para patinarem no gelo. Minha tia, de braços dados com as amigas, naquela coisa mais graciosa de todas. E minha avó, coitada, só tomando tombo atrás de tombo*. E naquele instante específico, o Bill fazia exatamente como minha avó.

Quando saímos de lá, falei:

          - De prêmio de consolação, te compro o bolinho do mesmo jeito.

          - Obrigada, mas não acho que vai adiantar muita coisa. Quer dizer, vou ter de dormir de bruços por um bom tempo depois de hoje.

Acabei rindo dele, que me provocou:

          - Ah, Belotti... Melhor você correr.

          - E você vai muito conseguir correr atrás de mim, com a bunda doendo...

Deu um sorriso malicioso e, quando vi, estávamos os dois correndo feito duas crianças, quase às nove da noite. Detalhe: Eu estava de salto. Atravessamos a rua até chegarmos à Starbucks e, depois que cada um fez o pedido e nos sentamos à uma das mesas, cada um estava comendo em silêncio até que ele, do nada, roubou um muffin de mirtilo que havia pegado para mim e deu uma generosa mordida. Arqueei a sobrancelha e perguntei:

          - Ah, então é assim?

Sorriu e, depois de engolir, respondeu:

          - Não reclama que eu podia ter te mordido.

          - Experimenta...

          - Já experimentei ontem à noite. E tenho que te dizer que você é deliciosa.

Eu mereço...

           - Seu canibal.

Riu e, depois que terminamos de comer, acabamos indo ao Central Park, que estava perto. Quando nos sentamos em um banco, perguntou:

          - No que está pensando?

          - De segunda à quinta-feira, costumava ir ao Hyde Park perto da hora de fechar e ficava andando por quase todo o lugar.

          - Você realmente gosta de correr riscos...

Sorri e falei:

          - Eu ia com a Bertha, minha chefa. Pode não parecer muita coisa, mas era melhor do que andar totalmente sozinha.

Passou o braço sobre o meu ombro e me fez deitar a cabeça sobre seu ombro.

          - Por que você quer ir para Roma? - Perguntou, depois de um tempo em silêncio.

          - Dê-se por satisfeito em saber que eu quero ir para lá. - Respondi e apertou minha cintura. Na mesma hora, senti uma cócega e ele percebeu.

          - Quer dizer então que você é sensível... Bom saber.

          - Não ouse! - Avisei e ele riu.

Depois que voltamos para o hotel, fomos arrumar as malas e, enquanto fazíamos isso, claro que houve algumas provocações e, quando fomos dormir, não resisti. Esperei até que estivesse deitado para me virar de frente para ele e, sem qualquer aviso, o beijei.


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* Fato 100% verdadeiro.