segunda-feira, 6 de abril de 2015

The fair lady: 1º capítulo

01.

Sarah

O maldito despertador tocou pontualmente às seis da manhã e resmunguei, enquanto tateava o criado-mudo em busca pelo maldito. Ao encontra-lo, dei um tapa daqueles na porcaria e, quando me deitei de costas para me espreguiçar, senti o braço do meu namorado, me puxando pela cintura para mais perto.

          - Bom dia. - Falou, com a voz rouca e a boca colada à minha orelha, sabendo o quanto aquilo mexia comigo, ainda mais que estava com a barba por fazer...

          - ‘Dia. - Resmunguei em resposta. - Já falei o quanto odeio despertadores?

          - Só umas... Trezentas e sessenta e cinco vezes diárias por ano.

          - Chato. - O provoquei e ele riu. - Mas tem lá as suas vantagens de acordar mais cedo.

          - Ah é? E quais seriam?

Rolei para cima dele.

          - Esses dias, eu li uma coisa bem interessante...

          - Que coisa?

          - Era uma entrevista com um daqueles médicos especialistas em sexo. - Ignorei a sua expressão. 

          - Você lendo entrevista de especialistas em sexo? Deixa seu pai saber de uma coisa dessas...

 Bati de leve no seu ombro e respondi:

          - Como se ele não tivesse a certeza de que a gente transa mais agora que estamos morando juntos! E se esqueceu que ele é um pai fora dos padrões?

          - É. Mas mesmo assim, se lembre de que eu tive que enfrentar um interrogatório assim que te pedi para a gente morar juntos.

Suspirei e perguntei:

          - Vai me deixar contar o que eu li ou não?

          - Fala.

          - Já que você sempre diz que eu sou rabugenta... Um dos benefícios do sexo pela manhã é justamente a influência no humor...

          - E essa... Influência é positiva ou negativa?

          - Por que a gente não testa essa teoria do médico para você descobrir? - Propus, como se estivesse perguntando se ele achava que ia chover.

          - Sarah...

          - Ah, Ed... A gente tem tempo. Mas se você prefere muito mais uma namorada pronta para te dar algumas patadas ao longo do dia e à noite você ter ir de dormir no sofá, não diz que eu não te avisei...

De repente, ele deu uma guinada com o corpo e me deixou por baixo. Antes de me beijar, me fixou por um tempo e perguntei:

          - O que foi?

          - Você realmente não tem ideia do quanto eu te amo, não é?

Dei um sorriso e acariciei o seu rosto, o trazendo para mais perto e beijando sua boca. Quando ele começou a beijar a linha do meu maxilar, envolvi seu quadril com as minhas pernas e gemi, mais de surpresa.

          - Está de manhã, Sarah... - Ele falou, aproximando de novo a boca da minha orelha. Mordeu o lóbulo e pedi:

          - Só um segundo.

Me estiquei até o criado-mudo do seu lado e ele, vendo que eu estava procurando alguma coisa, quis saber:

          - O que você está querendo aí?

          - Camisinha.

Ele se apoiou sobre o cotovelo e, depois de pegar uma fileira de embalagens, a pôs sob o travesseiro e voltou a me beijar. Arranhei sua nuca e ele apertou a minha cintura. Logo, deslizou a mão por baixo da camiseta e acariciou diretamente a minha pele. Puxou o meu quadril na direção do seu e não demorou muito para que as carícias menos... Comportadas começassem. E, quando nenhum de nós dois estava mais aguentando, senti que ele enfiou a mão por baixo do travesseiro e pegou um dos pacotes quadrados, rasgando a beirada com o dente e, logo em seguida, pôs a camisinha. Nós estávamos acostumados a dormir com pouca roupa justamente para quando batesse a vontade... Facilitasse as coisas. Então, em menos de dois minutos, o moletom e a cueca boxer branca que ele usava e a minha calcinha, daquelas que pareciam mais uma boxer, e a minha camiseta estavam todas emaranhadas em um canto qualquer do quarto. O Ed era bom de cama, justiça fosse feita. Tudo bem que eu não tinha transado com mais nenhum outro cara, mas... Pelo que eu ouvia minha irmã mais velha e as colegas da faculdade dizerem... O fato é que o Ed era o cara dos sonhos: Educado, carinhoso, gentil e lindo. Era a personificação daquela expressão “O genro que toda mãe pediu a Deus.”. E a minha era uma segunda mãe para ele. E eu tinha sorte que a dele também me tratava como filha, ainda mais depois de doze anos de namoro. E você não leu errado. Estávamos juntos durante todo aquele tempo e a diferença de três anos entre nós pareceu não importar, no final das contas.

No entanto, mesmo depois de tanto tempo, toda vez que nós íamos para a cama, eu tinha a incômoda sensação de que tinha alguma coisa faltando. Sempre era... Fofinho demais. Pode parecer estranho, mas essa era a melhor definição. Era como uma daquelas comédias românticas e parecia ter a necessidade de mais. Sempre tinha ouvido a Julie, minha irmã mais velha, comentar com as amigas sobre os namorados e o jeito que ela falava me deram a impressão de que havia algo muito além do que eu tinha. E tive a certeza, com o passar do tempo.

Assim que o Ed atingiu o clímax, alguns minutos depois de mim, se largou no colchão ao meu lado e me puxou para mais perto. Perguntei:

          - Ed... Eu estava pensando uma coisa.

          - Ah é? O quê?

          - A gente podia aproveitar o próximo feriado para ir até Londres. A Jackie estava me dizendo que tem várias coisas interessantes para a gente usar nos pratos do restaurante e... Acho que vale a viagem. Podíamos ir, ficar uns dois dias e depois, a gente voltava. Eu tenho certeza que isso vai ser bom para o restaurante.

          - Eu não acho que a gente tem que esperar até o próximo feriado. Podemos ir antes, como num final de semana. Vamos na sexta-feira e voltamos domingo à noite, por exemplo. A ideia é boa e eu estava realmente pensando em mudar algumas coisas do cardápio. Pode ser bom, interessante, inclusive, para olhar algum fornecedor.

Fiquei feliz ao ouvi-lo falando aquilo.

Durante a hora de almoço, aproveitei para passar na casa dos meus pais e, como o esperado, meus irmãos mais novos (Eu era, literalmente, a filha do meio) estavam enfiados nos seus respectivos quartos.

          - E aí? Alguma novidade? - Minha mãe quis saber.

          - Vamos para Londres. Mas não decidimos quando. Eu estava falando com o Ed para a gente ir comprar algumas coisas diferentes para usar no restaurante e ele concordou.

          - Ah é? Que bom que ele concordou...

          - Nem me fale.

Minha mãe me olhou e quis saber:

          - Sabe o que eu acho? Que você não deveria ficar dependendo do Ed para fazer as coisas.

A olhei.

          - E quem disse que eu faço isso?

          - Eu sei. Ou se esqueceu de quando você foi para a faculdade, o inferno que ele aprontou por isso?

          - Sim, mas... - Comecei a dizer, tentando achar um argumento. Minha mãe me observou, com a mão na cintura. - Ele sabia que tem algumas pessoas que fazem loucuras na faculdade. E sabia que eu não sou assim e era nessas pessoas que só aprontam em quem ele não confiava.

Ela suspirou e disse:

          - Eu gosto muito do Ed, mas sinto que a maior parte do tempo ele te prende. E você é como um passarinho. Tem que ser livre, minha filha. É parte da sua natureza.

Suspirei. Por mais que meus irmãos e eu fôssemos diferentes na personalidade uns dos outros, ainda sim, ela conhecia todos. Sabia quando a Julie precisava de ajuda com o filho, Gabriel, antes mesmo de ela pedir. Sabia muito bem quando o Andrew queria ajuda com alguma coisa de casa (E nunca vou me esquecer de quando ele derrubou vinho na camisa e ligou, desesperado, para minha mãe, querendo saber como tirava a mancha), do mesmo jeito que já se preparava para ir conversar com o chefe de polícia de Gloucester quando o Robbie aprontava por lá. E sabia muito bem quando a Eavan não queria conversa. E comigo... Ela sempre dizia que se preocupava menos, mas eu sabia que não era verdade; Era bem capaz de eu ser a filha com quem ela mais se preocupava, ainda que nunca tivesse aprontado tanto quanto meus irmãos.

Meus pais tiveram cinco filhos, ao todo. A Julie era a mais velha, já era casada e o Gabe tinha quatro anos. Em seguida, o Andrew. E só os dois mais novos, Robbie e Eavan, moravam com meus pais ainda. Eu tinha saído de casa aos vinte anos e meu pai, mesmo sabendo que eu ia ter juízo, ainda sim, não ficou tão satisfeito assim. Não que ele e minha mãe fossem do tipo caretas. Pelo contrário; Eles sempre nos criaram para ter a mente aberta e respeitar os outros, independente de como eles fossem.

Os três primeiros filhos nasceram em Londres. Meu pai recebeu uma proposta de trabalho em Gloucester (Na época, ele trabalhava para uma multinacional) e foi lá que os dois últimos nasceram. E na primeira oportunidade que teve... Juntou a família, todas as suas coisas e nos mudamos para uma cidadezinha, tipicamente interiorana, chamada Bibury. Ficava entre Gloucester e Oxford. A maior prova de que nem meus irmãos e nem eu jamais gostávamos de lá justamente por não ter a agitação de Londres, era que, assim como meu pai, a Julie e o Andrew rapidamente fizeram o caminho inverso; Mudaram-se, respectivamente, para Gloucester e Eastbourne. Eu morria de vontade de fazer o mesmo que eles, ainda mais depois de fazer faculdade em Oxford, mas era como minha mãe tinha dito: O Ed me prendia. E, como gostava... Eu o amava, acabava aceitando. Sempre o apoiava em tudo que ele queria fazer, mas ele era o oposto: Apoiava, mas depois conseguia me dissuadir das coisas. Se ele vinha me contar, animado, sobre alguma coisa, eu ficava feliz. Se era o contrário... Tinha cansado de ouvir a Julie falar que aquele era um relacionamento de uma pessoa.

Éramos o oposto um do outro e, enquanto eu s
empre tinha sonhado em conhecer o resto do continente, pelo menos, mas do jeito que as coisas estavam indo... Provavelmente, ia ter aquela vidinha típica de família de comercial de margarina, ainda mais que, o Ed parecia ter criado raízes aqui. Era justamente por conseguir prever como minha vida ia ser é que não conseguia me sentir confortável com a ideia de passar o resto da vida naquele fim de mundo.

Durante o almoço, o meu pai passou uma descompostura daquelas no Robbie, que mantinha a cabeça baixa o tempo inteiro.

          -... E se você continuar fugindo para Gloucester para aprontar... Nada de Reading festival.

Meu irmão ergueu o olhar, indignado, e ia protestar quando minha mãe interveio:

          - Eu acho que a gente pode fazer uma coisa, Richard. O Robbie pode ir para o festival sob duas condições. Uma é justamente essa, a de que ele ande na linha e pare de fugir para Gloucester.

          - E a outra? - Meu irmão quis saber e quem deu palpite fui eu:

          - Você vai ajudar lá no restaurante.

          - Sarah! - Ele resmungou.

          - Oi! Nem vem reclamar porque o Ed vai te pagar, eu tenho certeza. Ele falou comigo que estava precisando de mais ajuda por lá... E outra: Tá achando ruim de ganhar dinheiro, é? Descontando o salário, tem gente que deixa umas boas gorjetas...

          - Se o Robbie não quiser a vaga, eu quero. - A Eavan falou, pegando todo mundo de surpresa.

          - E você tem experiência, por um acaso? - Ele a provocou.

          - Tanta quanto você. Mas pelo menos, não estou desprezando o dinheiro.

Obviamente, os dois começaram a bater boca e meu pai logo deu um jeito de parar com aquilo; Com cinco filhos que, muitas vezes, brigavam entre si, ele já tinha seus macetes para acabar com qualquer início de briga.

          - Vamos fazer o seguinte: Eu olho com o Ed se a gente pode deixar a Eavan de recepcionista enquanto o Robbie pode ficar de garçom. - Falei. - Se não der, vou arrumar alguma coisa para você fazer, ok? - Perguntei para minha irmã, que concordou.

Assim que cheguei ao restaurante, falei com o Ed e ele me avisou que já tinha encontrado alguém para ocupar a vaga de garçom e, portanto... Nada feito nem para o Robbie e nem para a Eavan.

No domingo, durante a hora de almoço, aproveitando que estávamos na casa dos pais dele e que os irmãos estavam lá, fomos nos juntar à bagunça que normalmente era e, quando nos sentamos à mesa, o irmão mais velho dele, Ben, comentou:

          - Esses dias mesmo, nós estávamos vendo uma notícia de que tem um grupo de médicos estudando o Parkinson. No artigo, dizia que estão ainda em fase de testes de um tratamento para tentar amenizar os sintomas da doença.

          - Só que é caro. - A mulher dele falou.

          - Mas já começaram com os testes? - A mãe do Ed quis saber.

          - Um dos pacientes aparentemente apresentou uma melhora. - O Ben respondeu, depois de engolir uma garfada de macarrão. - Mas o problema maior não é, como a Liz disse, o preço do tratamento. É... Tudo. Os médicos estão na Suíça e teríamos de dar um jeito de arcar com as despesas de viagem e hospedagem.

          - Vocês não jogam sempre na loteria? - Paul, o pai do Ed, perguntou. - Então. Quero que me prometam uma coisa. Se vocês ganharem, a gente tenta esse tratamento. Senão... Aí depois a gente conversa.

Obviamente, eles tiveram de se conformar. E, como era de se esperar, naquela noite, o Ed não conseguiu dormir. Lá pelas três e meia, acordei e o lado onde ele costumava dormir estava vazio. Me levantei e o encontrei na cozinha, sentado no escuro. O abracei por trás e beijei seu pescoço, vendo sua pele se arrepiar.

          - O que foi? Está pensando no que o Ben falou? - Perguntei, quando me puxou para sentar no seu colo.

          - Estou. Seria tão bom se o meu pai pudesse melhorar do Parkinson... O problema é justamente que, mesmo que o Ben, o Joe, o Dan e eu juntássemos nossas economias... Provavelmente não seria o suficiente.

Mordi o lábio.

          - O restaurante tinha que render mais... Não tem muita salvação para nós.

          - Por isso que eu te sugeri de irmos até Londres e comprarmos coisas diferentes para os pratos. A nossa sorte é que daqui a pouco a temporada de turistas começa e o movimento vai aumentar, com certeza. Não fica pensando que acabou quando nem começou ainda. - Falei e ele fez bico.

          - Acho que só um milagre... - Resmungou.

          - Eddie... - O chamei, fazendo manha. Na mesma hora, me olhou e sorriu malicioso.

          - Eu gostaria de saber por que é tão irresistível quando você faz isso comigo. Me chama desse jeito dengoso...

          - Bom, agora, a minha única intenção é te levar lá para cima e você dormir, senão amanhã não vai funcionar direito e sabe disso. Além do mais... Ficar se preocupando às três da manhã não vai ajudar o seu pai em nada. Anda. Vamos para a cama.

Me surpreendeu, me pegando nos braços e me carregou escada acima. Assim que chegamos ao quarto, me pôs com uma delicadeza na cama, como se eu fosse feita de porcelana. Me observou por alguns segundos e perguntei:

          - O que foi?

          - Você é linda...

Dei um estalo impaciente com a língua.

           - Só fala isso porque eu sou sua namorada.

          - Deve ser, já
em meio à tantas garotas da minha idade, eu fui me apaixonar por uma pirralha de quatorze anos...

Bati no seu braço e ele riu.

          - Mas, mesmo assim...
Eu te amo. Desde a primeira vez que te vi.

Sorri e ele me beijou.

No final do mês, ele me avisou que tinha conseguido uma folga do restaurante e que poderíamos ir para Londres. E eu tive uma ideia e, para minha surpresa, ele concordou. Principalmente depois que avisei que eu ia pagar.

Na quinta-feira de tarde, eu fui até a casa dos meus pais e falei com os dois:

          - Eu consegui convencer o Ed a deixar o Robbie e a Eavan a irem com a gente para Londres. Posso?

          - Sarah... - Meu pai se mostrou apreensivo e avisei:

          - Olha, eu te prometo que vou manter um olho em cada um e o Robbie vai ficar ocupado o tempo todo, então não vai ter como se meter em confusão.

          - Se por um acaso, ele se meter... Me avisa. - Pediu e concordei. Quando os dois chegaram em casa, ele de um encontro com uns amigos e a Eavan da escola, avisei:

          - Vocês dois... Arrumem as suas coisas que vamos passar o final de semana em Londres.

Nem a Eavan, nem o Robbie acreditaram. 

          - Olha, se vocês demorarem demais para começar a arrumarem uma mala com roupa para três dias... Vão me atrasar e não vai dar para ir.

Mais que depressa, os dois correram para os quartos e começaram a arrumar as malas. Quando eu estava na cozinha, ajudando minha mãe a fazer o chá, a Julie chegou e trouxe o Gabriel. Minha mãe, obviamente, foi logo paparicar o neto.

          - Quer dizer então que você vai para Londres e vai levar as pestes? - Minha irmã quis saber.

          - Pois é.

          - Boa sorte. - Ela respondeu, rindo fraco.

          - A Sarah já tem todo um plano. - Meu pai falou, entrando na cozinha. - Vai cansar muito os dois durante o dia que aí, quando chegarem ao hotel à noite... Eles capotam e aí ela tem sossego.

          - Ótima estratégia. - A Julie falou.

          - Quer alguma coisa de lá? - Perguntei para ela, que negou.

          - Só... Não deixa o Robbie descobrir sobre um cara... Eu estava lendo numa revista enquanto esperava o Gabe sair do dentista. Pai, sério... Agradece à Deus pelos genros que você tem. E agradece que o Andrew regenerou e o Robbie está começando a andar na linha. - A Julie falou.

          - Meu Deus... O que essa criatura faz?- Ele quis saber, fingindo-se de assustado; geralmente, não acreditava em revistas de fofoca e até ria de quem comprava as malditas toda semana.

          - Mais fácil me perguntar o que ele não faz. Sempre está envolvido em algum escândalo e acho que a única coisa com que ainda não se meteu foi com roubo.- A Julie respondeu.

          - E por que ele faz isso tudo? - Minha mãe quis saber.

          - O cara já é podre de rico. E na revista falava que ele é herdeiro de um duque. Ou seja? Além do título, o filho da... - Ela se freou ao ver que o filho estava prestando atenção. - De uma boa senhora vai ficar alguns milhões de libras mais rico.

          - Meu Deus... Já não basta o que ele já tem? - Perguntei.

          - Parece que não. - Ela respondeu.

          - Ah, mas se ele apronta tanto, não vai demorar a torrar o que ele vai receber de herança. - Meu pai falou.

          - E tinha foto do cara na revista? - Perguntei.

          - Mãe, o Robbie tá aí? - A Julie quis saber e, quando minha mãe respondeu que sim, ela correu até o quarto do nosso irmão e chamei meu sobrinho, que veio logo correndo:


          - Eu vou ficar esse final de semana em Londres e, quando a gente voltar... O senhor vai acertar comigo aquela revanche no videogame, tá?

          - Só a gente?

Concordei e ele, obviamente, ficou todo ansioso. A Julie voltou, com o notebook do Robbie em mãos e meu pai, que já tinha entendido as intenções dela, tirou o Gabe da sala, inventando uma coisa qualquer para fazerem. A Julie digitou o nome do cara no campo de pesquisa e, em seguida, foi na parte de imagens.

          - É esse aí? - Minha mãe perguntou.

          - Ele mesmo. O senhor confusão.

          - Ele não é feio... - Minha mãe disse. A Eavan entrou na cozinha naquele exato instante e perguntou, olhando para a tela:

          - Por que vocês estão olhando as fotos do Bill?

          - Oi? Garota, que intimidade é essa? - A Julie a provocou.

          - Ué... É o nome dele. - A Eavan se explicou, pegando um copo de água.- Mas vocês não me responderam.

Me ocorreu uma coisa e perguntei para a caçula:

          - Vem cá... Você é fã dele?

          - Por aí. Por quê?

          - O que de tão terrível ele apronta?

Ela olhou para a nossa mãe e disse:

          - Tudo e mais um pouco. E por que vocês estão olhando as fotos dele?

          - Eu contei que vi uma matéria sobre ele numa revista de fofoca no dentista. - A Julie falou. A Eavan ergueu as sobrancelhas, indicando que tinha entendido, e avisou que as suas coisas já estavam prontas. Quando o Robbie apareceu, a Eavan foi buscar a bolsa e, logo, nos despedimos dos nossos pais e da Julie e do Gabe. Assim que chegamos em casa, ajudei a arrumar o quarto para os dois e, quando eles estavam se instalando, fui fazer alguma coisa para a gente comer. O Ed chegou tarde da noite e, por isso, decidi que eu ia dirigindo até Londres e ele só ia pegar o volante depois de descansar e na volta.

Naquela noite, quando deitamos, ele perguntou:

          - Estava pensando... Se quiser, eu posso ficar com os seus irmãos em Londres...

          - Não. Pode deixar que eu fico com eles. Sem ofensa, mas, quando eles começam as discussões, tenho mais experiência em apartar.

          - Você quem sabe... Bom, eu acho melhor a gente ir dormir. - Falou, me dando um beijo na testa.

Na manhã seguinte, quando acordamos, fui chamar meus irmãos e o café já estava pronto quando o Ed desceu. Estava de péssimo humor e o Robbie o ajudou a carregar as malas até o carro. Em seguida, ele se sentou no banco de trás, a Eavan se juntou a ele e o Ed estava terminando de ver se a casa estava em ordem e a trancou. Logo que ele se sentou no banco do carona, dei a partida no carro e não demoramos muito a sair de Bibury.

Cerca de duas horas depois, chegamos e no hotel, falei com os dois:

          - Olha... Escolher os temperos e as outras coisas não vai ser tão ruim, confia em mim.

          - A gente não vai poder ir à boates porque eu ainda sou menor de idade... Então que graça vai ter? - A Eavan resmungou.

          - Eavan, já viu o tamanho de Londres? Mesmo que você ache chato, a gente sempre pode ir ao cinema. E depois ir comer alguma coisa diferente. Entediada é que você não fica! Aliás... Nenhum dos dois.

Nem meia hora tinha se passado e o Ed decidiu ir ao mercado. Para nossa surpresa, tanto a Eavan quanto o Robbie se animaram a ir. Fomos até o de Covent Garden e, enquanto o Ed ia olhar uma loja ali perto, meus irmãos e eu, ficamos andando, sem rumo. Estávamos numa loja dedicada à um personagem de histórias infantis que nossa avó lia para nós, ouvimos uma confusão e olhamos pela vitrine. Um garoto, mais ou menos da mesma idade da minha irmã, estava correndo e abrindo espaço pela multidão, segurando uma bolsa. Atrás dele, vários caras, todos vestidos de segurança.

          - Sarah... - A Eavan disse, em alerta.

          - Sabe que o Andrew foi um ótimo professor de defesa pessoal? - Perguntei. - Não saiam daqui.

Nem esperei pela resposta e saí da loja até que o garoto passasse na minha frente. Consegui derrubá-lo e imobilizá-lo até que o guarda chegasse. Obviamente, o garoto se debatia e falei:

          - É melhor que você devolva essa bolsa para a dona, vai por mim. Não pensa que, por ser mulher e menor que você, que não vou ter medo de te enfrentar.

          - Juro que, se você não tivesse me pego de surpresa... Eu te ensinava uma lição. E não tenho medo de bater em mulher.

Arqueei a sobrancelha e ele tentou dar uma guinada com o corpo, mas não conseguiu. O guarda finalmente chegou e só soltei o garoto quando o guarda já estava o segurando.

          - Obrigada, moça. - O guarda falou e fiz um gesto de “não foi nada”.

          - Esse foi moleza em comparação aos meus irmãos... - Respondi. - Ah... Quando for levar esse aí em casa, fala com a mãe para ensinar a tratar bem uma mulher.

Pouco depois, quando estávamos comendo, notei que minha irmã estava inquieta.

          - Ei... O que houve?

Ela terminou de tomar o suco de laranja e se inclinou sobre a mesa, falando baixo:

          - Tem um cara... Ele tá sentado de frente para cá, do lado de fora. Está usando um paletó e calça pretos, camisa branca... E está de óculos.

Fingi coçar a nuca e olhei para trás. Típico riquinho que, obviamente, tinha sido mimado pelos pais e se achava melhor que todo mundo e estava acima da lei. O pior era que o tal sujeito era bonito. Era alto, magro (Mas dava para ver que estava em forma), tinha os cabelos loiros e, por estar de óculos escuros, não dava para saber qual era a cor dos seus olhos. Ele usava barba e dava para confirmar que era rico pela qualidade das roupas.

          - O que tem? - Perguntei, olhando para minha irmã.

          - Ele estava olhando quando você segurou aquele assaltante.

          - Eavan, todo mundo me olhou quando segurei aquele garoto.

          - Fato. - O Robbie se intrometeu.

          - Mas quantas daquelas pessoas que estavam observando te seguiram até aqui? - Ela me perguntou, com olhar inquisidor e a sobrancelha erguida de um jeito bem específico, traço herdado da nossa avó e que todas as mulheres da família tinham herdado.  

          - Fato. - O Robbie repetiu e olhamos ao mesmo tempo para ele. - Quê?

          - Ai meu Deus! - A Eavan falou, de repente.

          - O que foi?

          - É... Ele! - Ela quase berrava.

          - Nossa... - O Robbie sibilou, olhando para os lados, com medo de que alguém estivesse nos observando.

           - Ele quem? - Perguntei.

          - O Bill! - Ela respondeu, histérica.

          - Quem?- O Robbie quis saber.

          - Ai meu Deus! - Falei, assim que a ficha caiu. Meu celular tocou, de repente, e peguei o aparelho.

Onde vocês estão? Dizia a mensagem do Ed. Respondi e, como já tínhamos acabado e paguei a conta... Avisei que já estávamos indo encontra-lo.

Depois que saímos, a Eavan e o Robbie estavam conversando mais à frente e eu estava com a cabeça nas nuvens e não vi que os dois já tinham atravessado a rua e só fui me dar conta de que quase fui atropelada quando ouvi o grito da Eavan. Olhei para o lado e tomei um susto ao ver um daqueles caminhões pequenos praticamente a poucos centímetros de distância de onde eu estava. E, justo quando ia me atingir... Senti um puxão para o lado e, a única coisa que tive consciência de acontecer, a seguir, foi a minha aterrissagem sobre o concreto da rua.

          - Você está bem? - Ouvi uma voz me perguntar e, quando olhei para o lado, tomei um susto daqueles ao ver quem tinha me salvo. Ele me ajudou a levantar e agradeci.

          - Eu... Estou. - Respondi e devo ter soado como a maior idiota do universo.

          - Sarah! - Ouvi a Eavan gritar enquanto corria até onde eu estava com o Robbie em seu encalço. Antes que eles pudessem chegar até mim, o Bill falou:

          - Toma cuidado da próxima vez... Sarah.

E se afastou, seguindo o fluxo da multidão. 

The fair lady: Prólogo


Prólogo

Depois de quase duas horas de atraso, a porta do escritório se abriu. O rapaz estava, obviamente, se recuperando da noite de excessos e o fato de não tirar os óculos escuros deu esta certeza aos presentes: A irmã do finado duque, o advogado e o testamenteiro. O rapaz se largou em uma cadeira e a senhora, que o conhecia muito bem, sabia o quanto era irresponsável e não conseguia entender a decisão do irmão.

          - Bem, como estamos todos presentes... Acredito que podemos começar, sim? - O testamenteiro quis saber. Não houve qualquer objeção e ele leu: - “Eu, Hans Adler, deixo aqui expressa a minha vontade em testamento. Para minha irmã, Eva, deixo todas as minhas propriedades e tudo que há nelas. Para o meu afilhado, Bill, eu deixo a minha fortuna e o meu título sob as seguintes condições. Um. Deverá, durante o mínimo de um ano e meio, apresentar um bom comportamento, sem cometer qualquer infração e/ou desrespeito às leis.” - O rapaz tombou a cabeça para trás, não fazendo a menor questão de esconder o tédio e ignorando o olhar reprovador da irmã do duque. - “Dois: Durante esse mesmo tempo, ele deverá manter-se legalmente casado. Caso as condições não sejam obedecidas, o título será extinto e o dinheiro será legalmente dividido entre minha irmã e três instituições por ela indicadas.”

Uma vez que a leitura acabou e cada um recebeu uma cópia do testamento, o herdeiro do duque foi atrás do advogado e perguntou:

          - Posso falar com você por um instante?

          - Claro.

          - Eu tenho algumas dúvidas e gostaria de esclarecê-las. Sobre o casamento... Meu padrinho, por um acaso, disse alguma coisa sobre o regime de comunhão de bens?

          - Não. Deixou isso ao seu critério.

          - E... Eu preciso ter um filho?

          - Seu padrinho, ao tomar a decisão sobre o casamento, não falou nada a respeito, então, acredito que não seja exatamente uma exigência.

          - Tenho um prazo para encontrar uma esposa?

          - O duque sabia que você ia querer se casar rápido, então preferiu estipular somente a condição de ficar casado por um ano e meio, no mínimo, sem um tempo para que você escolha a noiva. Alguma outra dúvida?

          - O casamento vai ter de ser consumado, não?

O advogado, dando um sorrisinho irritante, respondeu:

          - Acho que já sabemos a resposta, não é?

Assim que saiu da mansão do seu padrinho, Bill pegou o celular do bolso da jaqueta e, depois de discar a já conhecida sequência de números, falou assim que ouviu a resposta do outro lado da linha:

          - Doyle? Temos um trabalho para fazer...