terça-feira, 18 de agosto de 2015

Targeted - 1º capítulo - Versão interativa












01.

Los Angeles - 31 de Julho
22:30h



Ótimo. O avião atrasou porque o filho da mãe do último passageiro a embarcar tinha se perdido. Chequei as horas no celular e suspirei, impaciente. Pesquei o mp3 dentro da bolsa e coloquei os fones, selecionando uma música qualquer dos Rolling Stones. Assim que o Mick começou a cantar que, se ele se excitasse, não ia conseguir parar. Como sempre, o rock tinha um poder incrível de conseguir me fazer relaxar ao mesmo tempo em que me desligava do mundo.

Estava indo tudo muito bem, obrigada, quando senti alguém puxando, delicadamente, o meu fone de ouvido. Eu juro que seria capaz de xingar os piores palavrões, mas, por não estarmos sozinhos, tive que engolir os desaforos que quase saíram descontrolados.

Podiam ter se passado quatro anos desde o nosso primeiro encontro, mas ele ainda tinha aquele sorriso convencido irresistível e irritante. Os cabelos continuavam e em perfeita desordem. E os olhos ... Ainda me deixavam louca com seu brilho. Só que eu preferia arrancar meu próprio braço à dentadas a admitir aquilo. E o cretino era que nem vinho: Quanto mais o tempo passava, melhor ficava.

- Eu estava mesmo pensando onde essa camiseta tinha ido parar... - Comentou, com a voz grave, um pouco ofegante e daquele jeito sedutor de sempre.

- Tem sorte de eu não poder te dar um tiro agora. Só não faço isso porque realmente tenho que ir para a casa.

- Até hoje eu não entendo como você consegue entrar nos aviões armada. - Falou, pensativo e sem abandonar o sorriso.

- Se esqueceu quem eu sou? - Perguntei, tentando ficar inexpressiva. Logo, o avião começou a taxiar pela pista. Observei o caminho em silêncio e, pelo menos, ele ficou quieto. Porém, depois que o avião decolou...

- Eu estava pensando em Monte Carlo. - Falou. Travei o maxilar. - Lembro do esporro que seu pai te deu porque você estava atrás de mim e acabou na minha cama.

Mordi o lábio, sorrindo e não conseguindo acreditar no que eu ouvia.

- E quem disse que eu não me arrependo? - Provoquei.

Me olhou fixamente e de um jeito que o cretino sabia que mexia comigo.

- Você realmente acha que vou acreditar nessa sua mentira? - Perguntou, depois de um tempinho em silêncio. - Sejamos honestos, . Você, tanto quanto eu, quis aquela foda de Monte Carlo. E, por mais que seja teimosa e não admita... Foi a melhor de todas e você não vê a hora que vou te comer de novo.

Arqueei as sobrancelhas e não sei como consegui segurar a língua.

- Ao contrário de você, não nego que até hoje sonho com Monte Carlo. Nunca vou me esquecer de certas coisas... - Se interrompeu, olhou ao redor e, se inclinando na minha direção, continuou, em um tom de voz mais baixo, quase em um sussurro: - Não consegui esquecer do quanto é delicioso te comer com você de quatro...

Minha resposta foi um suspiro impaciente, numa tentativa de não deixar externar o que eu sentia. Óbvio que o filho da mãe sabia bem como envolver uma pessoa só usando a voz.

- Eu entendo o motivo desse seu orgulho em dizer que fodeu comigo de quatro.

- Entende? - Quis saber, genuinamente surpreso; Sempre que nos encontrávamos, curiosamente com mais frequência que o esperado e até mesmo desejado, eu sempre argumentava e tinha uma resposta pronta na ponta da língua. Acho que ele até gostava do fato que eu o desafiava e dificilmente era passiva.

- Claro. - Respondi. - Você vale tanto quanto o chão que piso. E como eu sei que você gosta de ficar fazendo aquela competição ridícula com o Tom para ver quem tem mais gente passando pelas suas camas...

Sua resposta foi um daqueles sorrisos bem canalhas.

- Mas foram poucas as que realmente importaram. - Falou e não pude evitar de estreitar os olhos.

- Na boa... Por que você está aqui?

- Porque estou indo para Londres.

Respirei fundo e me controlei para não fazer a cara idêntica à do meme "Are you kidding me?". Havia horas em que eu não gostava de ser sarcástica. Porém, nas que eram como aquela...

- Sério? Achei que estivesse indo para Dubai! - Retruquei, sem conseguir resistir.

- Bom, considerando que Londres serve de escala para Nova Délhi, por exemplo... - Ele devolveu.

- E posso saber o que você vai fazer? - Perguntei.

- E por que você acha que eu te diria?

- Eu estou carregando algemas na bolsa. Pela primeira vez, posso usá-las para te prender de fato e, assim que desembarcarmos em Heathrow... Te entrego para o MI-6.

- Eu preferia que você usasse as algemas como sempre...

- Acho que realmente vou te entregar para o MI-6. E vou pedir um tratamento especial. Tenho certeza que meu pai não vai se importar... - Respondi. - Muito pelo contrário. É capaz de ele mesmo cuidar de você.

Deu um sorriso e disse, se levantando e se sentando na poltrona ao meu lado.

- Eu prefiro que seja você.

- E se eu não quiser por ter coisas mais importantes para fazer?

- Faço questão que seja você. Não me importaria se você simplesmente me algemasse à sua cabeceira o tempo todo.

Estreitei os olhos e disse:

- Seu plano não vai funcionar. Mesmo porque, a última coisa que eu quero é você algemado na minha cabeceira. Realmente não me atrai a ideia de chegar em casa e te encontrar lá, com essa sua cara e esse seu sorrisinho idiota.

- Está com medo daquele wichser?

- Que wichser?

- Eu não sou idiota e você sabe muito bem disso. Como era mesmo o nome dele... - Fingiu estar pensando. - Daniel Erös... Fico pensando o que seu pai acha de um judeu te comer...

Ergui a sobrancelha e não resisti à provocação:

- Ele acha melhor que eu durma com um judeu do que com um criminoso. Aliás... Meu pai adora o Dan.

- Dan? Então o negócio é mais sério do que eu imaginei... - Comentou e sorri. - Nunca pensei que você fosse gostar de caras circuncisados.

- Ah, é muito melhor. Mais gostoso. - Incitei. - E mesmo sabendo que você vai falar que se importa... Essa vai ser uma viagem longa, então como não estou com um pingo de paciência de ouvir a sua voz durante todo o tempo, então, se puder manter a boca fechada, eu te agradeço.

Estranhamente, ele atendeu ao pedido. Só voltou a falar quando a aeromoça, na manhã seguinte, veio trazer o café da manhã.

Algum tempo depois, quando finalmente aterrissamos em Heathrow, o safado esperou que a maioria das pessoas saísse do avião e me disse:

- Eu vou passar algum tempo aqui em Londres. Fui forçado a sair de Los Angeles e pode ter certeza que a gente vai se esbarrar muito. E, mesmo sabendo que você provavelmente não se interessa... Eu arrumei um lugar para ficar, em Southbank. Acho que você ia gostar da vista.

- Não tem medo que eu vá aparecer com o MI-6 em peso na sua porta?

- Não. Mas eu sei que você vai bater na minha porta de uma maneira ou de outra... Ah, antes que eu me esqueça... Quero ver de perto aquela lingerie de renda preta que você comprou na Agent Provocateur lá de Los Angeles.

Travei o maxilar e estreitei os olhos.

- Senta e espera. - Avisei.

- Realmente vou te esperar... Na minha cama.

E roubou um selinho. Em seguida, se apressou a sair do avião e, depois que eu fiz o mesmo, fui atrás dele até a esteira de malas e por incrível que pareça, não consegui encontra-lo. Depois de pegar as minhas bagagens, saí pelo portão de desembarque e a primeira pessoa que encontrei foi a . Éramos amigas desde que me entendia por gente e brincávamos que éramos irmãs perdidas uma da outra. Assim que parei na sua frente, nos abraçamos e, quando nos soltamos, depois de um tempo razoável, ela deu uma boa olhada em mim e quis saber:

- Aconteceu alguma coisa. O que foi?

- Eu te conto quando a gente chegar em casa, pode ser? - Devolvi a pergunta. - Estou doida para tomar um bom banho, tomar uma xícara de chá e descansar um pouco.

- Claro. Vamos? - Perguntou, sorrindo. Fisicamente, éramos parecidas e diferentes ao mesmo tempo: As duas tinham os cabelos castanho-escuros, a mesma altura e éramos magras. No entanto, enquanto meus olhos eram azuis, os dela eram mutantes; Ora eram verdes, ora cor de mel. A personalidade de cada uma era completamente oposta. Enquanto a era mais doce, mais calma, delicada e pacifista. Já eu... Era temperamental, impaciente, ansiosa e rabugenta. E não obstante, era desastrada. Talvez por ser agente secreta que conseguia ter um controle maior das minhas trapalhadas durante as missões. também trabalhava na agência, que era independente da MI-6, mas era como estrategista.

Quando finalmente chegamos à minha casa, que ficava em Mayfair, a primeira coisa que fiz foi tirar os saltos. Então, fui comer alguma coisa para aí sim, ir até o quarto, começar a desfazer as malas. A , obvio, estava pronta para começar o interrogatório.

- Por um acaso - Ela começou a falar. - isso tem alguma coisa a ver com o que aconteceu em Monte Carlo?

Só para constar: Ela sabia que tinha dado um rolo em Monte Carlo, mas não o que era. Eu não quis contar por orgulho, embora ela não me censuraria; Já tinha desistido de fazê-lo havia tempo e já tinha se acostumado com meu jeito.

- É. - Respondi, apenas. - E os problemas só estão começando.

- Se quiser me falar o que é e tirar um pouco do peso dos seus ombros... - Ela falou.

- Não, porque isso tem grandes chances de respingar em você e não quero isso.

- Já tiveram várias confusões suas que acabei me metendo no meio. Não entendo qual é a diferença agora...

- É muito mais sério.

Ela suspirou, impaciente.

- Bom, não vou te forçar. Mas se quiser falar a respeito, sabe que eu estou aqui.

Assenti.

- Eu tenho que falar com meu pai. Ele está na agência? - Perguntei, consultando as horas no relógio do celular.

- Está, mas...

- Ótimo. Depois eu desfaço as malas. - Avisei, já pegando a bolsa e saindo do quarto, sendo que ela me seguia.

- , você ficou quase onze horas dentro de um avião. Te conhecendo, você ainda não comeu nada.

- O que eu tenho para falar com meu pai é muito mais importante que comida. Pelo menos nesse caso. - Acrescentei quando vi seu olhar de espanto.

Assim que chegamos ao prédio onde funcionava a agência, todos me olhavam, alguns com respeito por eu ser a filha do dono, outros com medo e que já tinham sido ameaçados por mim por algum motivo, mas a maioria simplesmente só olhava por causa do barulho dos meus saltos.

Dentro do elevador, a comentou:

- Notou o olhar de pânico do Stephen na sua direção? Até hoje eu acho que você foi cruel com ele.

Arqueei a sobrancelha.

- O cara pode falar em alto e bom som que eu tenho a bunda deliciosa e sai ileso? Não senhora! Ele esqueceu de quem eu sou filha?

Deu um meio sorriso e, assim que as portas duplas do elevador se abriram, seguimos pelo corredor de mármore que levava ao escritório do meu pai. A secretária dele parecia estar perturbada com alguma coisa. E para aquela mulher ficar do jeito que estava... Aí tinha coisa.

- Beth... Algum problema? - Perguntei, me debruçando sobre o balcão e mostrando uma simpatia que só poucos, como ela, conseguiam de mim.

- Seu pai está em reunião. E o que você está fazendo aqui, menina? Não acabou de voltar de viagem?- Perguntou, me olhando por cima dos óculos. Beth tinha cara de uns quarenta e poucos anos, mas aparentava mais, justamente por causa do jeito que se arrumava. Os cabelos tingidos de loiro sempre estavam presos de qualquer jeito, com várias mechas caindo ao escaparem do prendedor, os óculos de armação grossa e vermelha escondiam seus olhos azuis. E o batom vermelho destacava sua boca de espessura e tamanho médios. Seu rosto era ovalado e ela era uma mulher bonita, dava para ver. Só... Era malcuidada

- Beth... Você sabe muito bem que não vai ser ninguém, nem mesmo a e até meu próprio pai que vai me impedir de entrar naquele escritório. Se você não me saciar a curiosidade... Vou ter de mostrar para quem está ali dentro que posso não ser tão boazinha assim.

Ela respirou fundo e disse:

- Acho que você já mostrou isso.

Franzi as sobrancelhas e avisei à que me esperasse ali. Fui andando a passos firmes até o escritório do meu pai. Nem bati na porta, entrando direto e antes não tivesse feito aquilo. Sentado na cadeira de frente para a escrivaninha, estava aquela praga do . Assim que entendeu que era eu, deu um sorrisinho idiota e olhei para o meu pai, perguntando:

- Eu espero que você realmente tenha um excelente motivo para não acionar a segurança e jogar esse traste numa cela para apodrecer o resto da vida.

Meu pai me observou de volta com seus olhos azuis, idênticos aos meus.

- Eu achei que tivesse te educado bem. - Limitou-se a responder. Dei um sorriso inocente e perguntei:

- Como vai, senhor ? Tudo bem? E a família?

Ele se segurou para não rir e eu, controlei a vontade para não fazer um gesto que meu pai ia, no mínimo, me passar uma descompostura na frente do puto, que era a última coisa de que eu precisava.

- ... Lembra daquela gangue que te falei a respeito, de lá de Los Angeles, que marca as vítimas como alvos antes de executá-las? - Meu pai perguntou e assenti. O me estendeu um envelope preto que fiz questão de não pegar.

- E... Por que esse pu... Digo, o está aqui e livre?- Eu quis saber.

- Eu fiz um acordo com ele. - Meu pai respondeu naquele tom de quem comenta sobre o tempo. Ou discute o que a rainha deve ter comido no café da manhã.

- Pai... - Falei. - Com todo o respeito, mas... Perdeu o juízo? Sabe muito bem o que esse puto aqui fez, não só em Los Angeles, mas em Berlim, aqui, em São Petersburgo...

-... Em Monte Carlo... - O teve que abrir a boca para me provocar. Não me controlei e dei um tapa daqueles na sua cabeça, bem na parte de trás.

- Aí mais um motivo para mandar essa coisa apodrecer na prisão! - Exclamei; Meu pai apenas observava tudo, com os braços cruzados sobre o tampo de vidro de sua mesa.

- Acontece, , que ele está disposto a colaborar em troca de proteção dessa gangue.

- E daí?- Perguntei. - Mete logo uma bala nessa cabeça oca que tá resolvido o problema!

- Você não ouviu o que eu te falei, não é? - Meu pai perguntou. - Ele vai colaborar.

- E você acredita no que esse puto fala?

- Eu gostaria de verdade que você parasse de me chamar de... - O começou e o interrompi:

- Já te dei um tapa. Não custa nada meter um tiro num lugar que te é muito útil mas pode não ser mais. Além disso... Até o povo que limpa o relógio do Big Ben sabe que você não presta e vai para a cama com qualquer um!

Meu pai suspirou e disse:

- Já chega. , você vai ficar responsável por proteger o e fim de conversa. Não quero saber de protestos e, se eu ouvir um “a” que seja, não vou te mandar para a Índia, mas para um lugar que você vai achar pior ainda!

Arqueei a sobrancelha e contestei:

- Até onde eu sabia, eu era agente secreta, uma das melhores aqui da agência. Não babá de um marmanjo criminoso que enfia o pin...

Meu pai, sem dizer nada, pegou o telefone e discou para a Beth. Assim que ela atendeu, ele falou:

- Beth, me liga com a base da Antártida.

- Tá! - Exclamei. - Eu fico de babá dessa coisa. Mas não me responsabilizo por qualquer consequência do seu erro de me atirar direto na boca do lobo. - Sibilei a última parte.

- Cancela a ligação, Beth. - Meu pai avisou. - Ao invés disso, manda o Doyle e o Evans virem aqui.

Assim que ele desligou, pediu ao traste:

- Espera lá fora um instante, sim?

Assim que as portas duplas de vidro se fecharam atrás de mim, meu pai falou:

- Eu quero só esclarecer duas coisas. A primeira é que eu só aceitei a proposta desse cretino para manter um olho nele. E a segunda, você mesma disse: É uma das melhores agentes daqui. Eu sei que você vai conseguir fazer seu trabalho muito bem e é por isso que te confiei essa tarefa. Não estou te jogando na boca do lobo porque você não vai ficar sozinha com ele. O Evans vai ficar com vocês.

- É. Boa saída, pai. Um empata-foda. - Respondi. - Depois não vem reclamar de vizinho ligando para se queixar de orgias.

Sem esperar por uma resposta, saí do escritório do meu pai e, assim que passei pela recepção, vi que a praga estava jogando charme para a Beth. Agarrei a gola da sua jaqueta e falei à secretária:

- E a ?

- Foi chamada no quarto andar. Pediu para te avisar que depois liga.

Respirei fundo, agradecendo.

- Ah! - Lembrei. - Depois dá o endereço da casa do traste ali para o Evans, tá?

Ela concordou. Saí puxando o puto até o elevador e, assim que as portas se fecharam, depois que apertei o botão do térreo, o comentou:

- Aquele tapa que você me deu está doendo até agora.

- Faz outra das suas gracinhas que eu vou dar, não um tapa, mas uma joelhada e não vai ser na cabeça de cima. - Avisei. - E você é ou masoquista ou suicida...

- Quem disse que eu não sou os dois?

Olhei para ele, que começou a sorrir daquele jeito sedutor:

- Ou ainda... Que eu sou sádico...

- Ah, tá, Mr. Grey. - Retruquei e ele manteve o sorriso.

- Uma vez eu estava com uma praticante e ela me falou de uma coisa que achei bem... Interessante e combina muito com você.

- , eu não quero saber das suas histórias de foda. Não quando eu nem almocei ainda.

- Não tem nada a ver com foda. Quer dizer, eu não fodi com ela. E não vai querer saber o que ela falou?

- Não. Só ia querer saber dessa sua... Aventura se ela tivesse te feito sofrer o diabo. - Respondi e, para minha sorte, o elevador chegou ao destino. Mais do que nunca, todo mundo parou para me olhar. E, obviamente, graças à uma ordem do meu pai, ninguém pulou no pescoço do , infelizmente. Assim que chegamos à rua, eu desativei o alarme do meu carro e ele entrou no lado do passageiro. Não parecia impressionado e, depois que dei a partida no motor, manobrei com perfeição para sair da vaga e aí sim, notei que ele estava admirado.

Assim que chegamos ao seu apartamento, ele se aproximou da janela enorme que tinha uma vista de tirar o fôlego e já começou de graça quando o interrompi:

- É o seguinte: O Evans vai ficar aqui com você durante a noite. Se for um caso de extrema necessidade, tipo um tiroteio, ele me liga.

- Eu sei onde você mora. Não posso...?

- Se você pensar em aparecer na minha porta sem um motivo que envolva real perigo, eu juro que você toma aquele tiro que te prometi. E vai ser no lugar da joelhada. Aliás... Eu vou avisar ao Evans que você só pode aparecer na minha rua se estiver acompanhado dele.

- E se o Evans tomar um tiro?

- Se ele tomar um tiro, vai vir uma equipe especial para te transferir daqui para a agência, entendido?

- Por que o Evans pode entrar em contato com você e eu não? Tá traindo o judeu com ele por um acaso?

- Você tá realmente querendo tomar um tiro, não é?

- Já vi que tá. Imagino o que os pais deles vão falar quando souberem que você está traindo o filhinho precioso deles...

Arqueei a sobrancelha e, decidindo que o melhor a ser feito era ver o motivo de o Evans estar demorando tanto, peguei o meu celular e me afastei um pouco, sentindo o olhar da peste o tempo todo enquanto discava o número do meu colega. Ele atendeu no terceiro toque:

- Evans.

- Mas onde é que você está? Estou te esperando aqui na casa do tras... para poder ir para a minha!

- Achei que seu pai tivesse te dito... Hoje você é quem fica aí com ele.

- Quê? Evans, me quebra esse galho. Eu nem trouxe nada para poder usar e... - Espiei por cima do ombro. - O histórico dele não favorece. Me ajuda, por favor.

Ouvi um suspiro do outro lado da linha e ele falou:

- Tá. Tô indo para aí. E eu não quero rolo para o meu lado, entendeu? Você que se entenda com seu pai.

- Tá. E Evans... Não demora, tá?

Encerrei a ligação poucos minutos depois e o , se aproveitando, perguntou:

- Posso te oferecer alguma coisa? Eu tenho vinho, suco, chá, água...

- Eu quero é que você me deixe quieta, pode ser?

- Sabe que você está sendo uma péssima visita? Seu pai não te ensinou que, quando a gente vai na casa dos outros, é bom que seja uma garota bem-comportada?

Revirei os olhos, suspirando e pedi:

- Água. E vê se não batiza.

- Eu nem tinha pensado nisso...

Estreitei os olhos enquanto ele ia até a cozinha. Recebi uma mensagem da , perguntando o que eu estava fazendo e respondi:

Fazendo uma coisa para o meu pai. Estou esperando o Evans vir me socorrer para ficar liberada. Algum motivo especial?

A gente podia fazer uma sessão de cinema aqui. E eu pensei também, em ligar para o delivery daquele japonês aqui perto... O que me diz?


Disquei o seu número e no terceiro toque, ela atendeu e falei:

- Fechado. É só o Evans chegar que eu vou para aí. Até daqui a pouco.

Nos despedimos e desliguei no exato instante em que o voltava, trazendo um copo de água com duas fatias de laranja e sem gelo. Franzi as sobrancelhas e ele perguntou:

- Não é assim que você gosta?

- Você batizou a água, não é?

- A troco de quê eu ia te dopar, ? Acho que o seu pai foi bem explícito quando disse que preciso da sua proteção. Então, não compensa tentar qualquer coisa contra você.

- A troco de quê? Quer mesmo que eu te responda? OK. Eu acho que você é bem capaz de me drogar para me levar para a cama.

- Olha, eu posso ter roubado carros e casas, já ter sequestrado três pessoas e até invadido um banco e atirado num guarda, mas... Estuprador eu não sou. Nunca forcei ninguém a fazer nada contra a própria vontade. E você está incluída.

Dei um gole na água e estava com um gosto fraquinho de laranja.

- Eu estava pensando... - Ele começou a dizer. - Amanhã à noite, a gente podia...

- Não, não podia. Eu estava escalada para uma missão e pela manhã vou ter a confirmação. Não vou ficar de papo para o ar como você, .

Ouvimos o interfone e ele foi atender. Me olhou e perguntou:

- O primeiro nome do Evans é Matthew?

Concordei, dando outro gole na água.

- Ok, pode deixar subir.

Assim que voltou à sala, pus o copo sobre uma mesa de centro, tomando o cuidado de deixá-lo sobre o vidro para que não marcasse a madeira. Poucos minutos depois, ouvimos a campainha e o já ia abrir quando o impedi. Me adiantei e espiei pelo olho mágico e só depois de confirmar que era o Evans, abri a porta.

- Para quê isso? - O quis saber.

- Procedimento padrão. - Respondi. - Podia muito bem ser um impostor. E eu achei melhor que você deixasse ele subir justamente para o caso de não ser o Evans, eu poder dar um jeito.

- E se fossem dez pessoas? - O perguntou. Depois que fechei a porta, o Matt respondeu:

- Pelo visto ele não te conhece tão bem assim, não é? - Olhava para mim e dei de ombros. - Pode ir que eu sei que você está doida para ir embora.

Sorri genuinamente e dei um beijo no seu rosto. Em seguida, olhei para a peste e falei:

- Se precisar... Já sabe.

Ele assentiu e saí do apartamento. Estava quase entrando no carro quando alguém esbarrou em mim e vi que era um homem de meia-idade, já com cabelos grisalhos e olhos castanhos. Seu sorriso era doce e ele não era tão mais alto que eu, aliás... Por causa dos meus saltos, tinha ficado menor.

- Desculpe-me. Eu estava distraído, tentando encontrar um caminho para o London Eye...

Dei um sorriso rápido e sem mostrar os dentes e ele insistiu:

- Será que a senhorita não podia me indicar o caminho?

- Tio, na boa... Vai perguntar para um taxista. E cuidado para não despencar e cair no Tâmisa. - Respondi, desativando o alarme do meu carro e ignorando o cara enquanto eu dava a partida.

No primeiro sinal de trânsito que parei, liguei o rádio na minha estação preferida e começou a tocar aquela música do Police que todo mundo fala que é música de “Stalker”. Olhei para o rádio e apertei o botão para passar para a próxima estação e estava tocando “We will rock you”. Inevitavelmente, comecei a batucar no volante no ritmo e não demorou para que eu fosse contagiada e cantasse o refrão. Só quase no final da música, antes do solo, é notei que o motorista à minha esquerda me olhava de um jeito estranho. E durante o solo, ainda fiz uma air guitar improvisada. Para a sorte de nós dois, o sinal abriu e tive que continuar com meu caminho. Não segurei o riso e continuei dirigindo o carro até chegar à casa da . Claro que ela quis saber o que meu pai queria e desconversei. Por fim, ela sossegou quando descobrimos um filme que tínhamos visto há anos passando e acabamos por assisti-lo.

Quando cheguei em casa, ouvi o celular dando aviso de mensagem duas vezes, quase ao mesmo tempo e, assim que peguei o aparelho, vi que era uma mensagem do traste... E outra do Dan. Me sentei no sofá, sorrindo feito boba enquanto lia aquelas três palavras em hebreu: Ani Ohev Otach. Respondi conforme ele havia me ensinado e nem um minuto depois, me ligou.

- Onde você está? - Perguntei, assim que ouvi o barulho ao fundo.

- Num restaurante em Abu Dhabi. Teve um imprevisto e tive que vir para cá ao invés de ir para Londres. Queria que você estivesse aqui...

- E você acha que é o único? Ainda mais que eu estou precisando demais de você. Hoje foi um dia daqueles e agora que o jet lag tá batendo.

- , eu te conheço. O que você aprontou?

- O que meu pai aprontou comigo, né?- Perguntei. - Infelizmente, é uma coisa que não rola de contar pelo telefone. Só pessoalmente. E te prepara para querer voar no pescoço do meu pai também.

Caso você esteja imaginando... O Dan era meu colega de trabalho e “namorado-não-assumido” porque meu pai tinha uma política bem... Rigorosa dentro da empresa, então, por isso que ele ainda não sabia e, como não éramos do mesmo setor, então não precisávamos ficar disfarçando que estávamos juntos. E o Dan era um cara que mais parecia modelo de cueca da Calvin Klein do que preparador. Ele tinha sido meu pupilo e não o contrário e foi graças aos treinamentos exaustivos que, além de ele ter um senhor preparo, começamos a nos envolver. Apesar de ser judeu, a família dele era mais moderna. Tanto que eu estava esperando ser rejeitada por não ser da mesma religião que a dele, mas fui aceita logo de cara. E sim. Ele sabia de Monte Carlo porque tinha sido designado comigo para a missão. Na época, ainda não tínhamos nada além de amizade.

- Eu vou tentar voltar assim que der. E te aviso porque quero que você me busque em Heathrow para começar a matar a saudade. E eu vou ligar para o seu pai, exigindo folga para nós dois. Pelo menos dois dias.

Ri fraco e ele conversou comigo por mais alguns minutos. Assim que desliguei o telefone, fui até o meu banheiro, me despi enquanto enchia a banheira e, uma vez que estava com uma quantidade e temperatura boas, entrei ali. Na mesma hora, relaxei e aquela era uma das melhores sensações, ainda mais cansada do jeito que eu estava. Tomei cuidado para não pegar no sono dentro da água, senão ia ter uma tragédia assim que saísse e, por isso que decidi levantar e tirei a tampa do ralo. Enquanto estava me secando, tive a sensação de estar sendo observada e me aproximei do lugar onde guardava a arma mais próxima, só por precaução. Vesti o meu pijama (Um short e camiseta dos Rolling Stones), prendi os cabelos em um coque e me preparei para um possível ataque. Como ele não veio, acabei indo dormir, que era o melhor que eu podia fazer. Culpei o cansaço pelo sonho incômodo com uma certa cidade de um principado francês e um maldito sorriso malicioso.

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