02. You won't get much closer until you sacrifice it all
Levante-se e comprometa-se
Mostre o seu poder aprisionado
Faça apenas o que você quiser
Agora levante-se e comece
(Muse - Panic Station)
Londres, Inglaterra
Mal via a hora de chegar em casa. Quer dizer, aquele ovo de beija-flor que eu chamava de casa. Morava em Londres não havia nem um mês e as coisas iam de mal a pior. A única coisa boa que havia me acontecido desde que cheguei à terra da rainha foi conseguir um emprego numa loja de discos em Soho. Pagavam até que muito bem e eu, sabe-se lá como, conseguia me virar com o salário. Estava pensando seriamente em arrumar outro emprego. Ia me sacrificar muito, mas sabia que valeria a pena. Ainda mais que meu sonho era sair daquele maldito lugar. Para começar, era melhor derrubar o prédio e reconstruir do zero. Os canos estavam enferrujados e rangiam a noite inteira. Quase todas as janelas eram emperradas. Sem falar que eu revivia aquele pesadelo de, se um vizinho desse descarga, a água do chuveiro ficava gelada. Não contemos os cupins e baratas que apareciam, vez ou outra. Acho que o pior de tudo era as brigas da vizinha de porta. Estava bem dormindo quando, do nada, escutava os piores palavrões. Isso quando não tinha um som, parecido com o de tapa. E no dia seguinte, quando encontrava o marido, o coitado estava com a marca da bofetada que tomara na noite anterior. Era um sujeito simpático, assim como a esposa. O problema, pelo que era possível escutar, era que ele era mole demais.
E num começo de noite de sexta-feira, quando estava saindo do trabalho na loja, me despedi do gerente e fui andando na direção da estação do metrô. E aquela criatura abençoada do Murphy teve que mexer seus pauzinhos... Começou a cair aquele pé d’água e, antes mesmo de eu conseguir pegar a sombrinha, já estava ensopada. De repente, passei em frente à uma daquelas lojas esotéricas e meu olhar foi atraído para seu interior. A dona, uma mulher de meia-idade, vestida como uma hippie de Woodstock, me notou ali e sorriu. Fez sinal para que eu entrasse e foi o que fiz.
- Me deixe adivinhar. - Falou, me olhando. - Rabugenta. Curiosa... Signo de ar, estou certa?
- Aquariana. - Respondi, sorrindo.
- E estou sentindo que você está com um pouco de preocupações demais ocupando sua cabeça...
Assenti.
- Queria tentar conseguir um segundo emprego para sair do ovo de beija-flor em que moro, mas não sei exatamente com o que posso mexer.
Estreitou os olhos, claramente me avaliando e disse:
- Estou precisando de ajuda aqui na loja. O que me diz?
- Por mim, tudo bem. Quer dizer, só precisamos combinar o horário, para não dar problema com o meu outro trabalho.
Concordou e indicou uma cadeira. Começamos a discutir aquele pequeno detalhe e, por fim, chegamos a um consenso. A partir da manhã seguinte, já seria vendedora da loja. A minha nova chefe se chamava Bertha e, além de vender coisas como estátuas de bruxas, fadas, gnomos, cristais e outras coisas do gênero, ainda fazia consultas de tarô e quiromancia. A loja tinha o típico cheiro de incenso, mas era fraco e não era ruim; Era muito gostoso, para falar a verdade.
Assim, minha primeira semana no segundo emprego foi puxada, não nego. No entanto, numa sexta-feira à noite, depois do expediente na loja de discos, o dono chamou todo mundo e avisou que estava fechando a loja, porque seu pai estava doente e ele iria para o interior, ajudar. Claro que todo mundo ficou daquele jeito, mas ao mesmo tempo, todo mundo desejou o melhor para o pai do nosso, agora, ex-chefe.
Quando cheguei à loja da Bertha, no sábado de manhã, ela, como sempre, bateu o olho em mim e disse:
- Não me diz nada. Você vai ficar em período integral aqui comigo, é isso?
Assenti e contei a história. Ela ficou com pena, claro, mas ao mesmo tempo, gostou de ter minha ajuda por mais tempo.
Estava terminando de recolocar uma estátua de ninfa no lugar (Sobre uma prateleira alta) e a sineta tocou. Gemi fraco e falei:
- Só um segundo.
Arrumei a estátua e desci da escada. Na minha frente estava simplesmente um modelo de cueca da Calvin Klein. Parecia zoeira, mas se ele não trabalhava com isso... Era hora de reconsiderar. Era de estatura mediana, aparentemente com o físico em dia, loiro e de olhos pequenos e claros. O rosto era de homem mesmo, com barba por fazer e aquele maxilar bem delineado, que me deu vontade de dar uma mordida, confesso.
- Bom dia, posso te ajudar? - Perguntei, sendo simpática e até sorrindo.
- Na realidade... Pode. Tenho uma amiga que gosta desse tipo de coisa e, como é aniversário dela amanhã, preciso dar um presente.
- Ah sim. Bom, como é essa sua amiga?
Começou a me dar a descrição da garota e aos poucos, fui dando as ideias. Por fim, escolheu um móbile de fadas. Enquanto terminava de registrar a compra, notei que estava me olhando fixamente. Perguntou:
- Você é nova aqui?
Assenti.
- Engraçado, porque tenho a impressão que já te vi antes... - Comentou e respondi:
- Eu trabalhava numa loja de discos no Soho.
- É. Isso mesmo. Fui atendido por outra pessoa, mas lembro de você na loja. E no dia estava atendendo à uma mãe com três filhos.
Fiz uma careta ao lembrar.
- Nem me fale. Ficou me alugando por quase uma hora e no fim, não levou nada. - Respondi e ele sorriu.
- Sou .
- . Pode chamar de .
- Obrigada pela ajuda. . - Disse, ainda sorrindo. O acompanhei até a porta da loja e ele perguntou, disfarçando: - E que horas você trabalha aqui?
- Da hora que abre até a hora em que fecha.
Concordou em silêncio e falei:
- Sempre que precisar... Estamos aí. E sendo bem clichê... Volte sempre.
Riu e assentiu, começando a ir.
No final da tarde, quando a Bertha voltou da consulta médica em que tinha ido, perguntei:
- E então?
- Só o colesterol que está um pouco alto, mas isso é fácil de controlar. E como foi tudo por aqui?
Sorri, mostrando o relatório de vendas e ela ficou impressionada. E satisfeita.
- Só por isso... Quero fazer uma coisa por você. Mas depois que fecharmos a loja.
Estranhei e ela perguntou:
- Entre tarô e quiromancia, em qual você acredita mais?
Dei de ombros.
- Tanto faz. Acho que acredito nos dois igualmente.
Concordou e foi até sua sala. Até a hora de fechar, apareceram mais três clientes, que compraram, mesmo que fosse só incenso. Depois que fechei a porta de vidro, a Bertha já estava à postos, embaralhando as cartas de tarô. Me sentei ao banco de madeira envelhecida e, quando espalhou o baralho sobre a mesa, em formato de leque, disse:
- Escolha as cartas, por favor.
Obedeci e fui fazendo conforme ela me dizia. Explicou o significado de cada uma das cartas e tinha que confessar que fiquei com um pouco de medo quando abriu a carta do diabo. E tarô era sempre a coisa mais engraçada. A carta da morte, te dá uma ideia terrível. E nem sempre era sinal de coisa ruim. Já a dos amantes...
- Eu sei o que você está pensando. E te digo que a carta do diabo é referente à paixões. - Disse, tentando me acalmar. Continuou a explicar, fazendo as recomendações e, assim que acabou, me liberou para ir para a casa.
A partir da semana seguinte, aconteceram duas coisas: A Bertha começou a me olhar com certa curiosidade, como se soubesse algum segredo ao meu respeito e até esperasse que aquilo fosse acontecer. E a outra... Bom, o passou a ir na loja todo santo dia, com as desculpas menos convincentes possíveis. No final, estava até perdendo a paciência com esse assédio todo dele.
Numa sexta-feira em que estava terminando de ajudar a Bertha a fechar a loja, a minha chefe olhou para um ponto mais adiante e disse, sorrindo:
- Eu sei que você provavelmente vai continuar com seu ceticismo, mas... Depois que pus as cartas para você naquele dia, andei fazendo mais consultas e descobri que tem um rapaz no seu caminho...
Nem precisei me virar para entender de quem ela estava falando. Suspirei e perguntei:
- E por um acaso essas cartas te disseram o quanto ele pode ser inconveniente com a insistência?
Ela riu e disse:
- Vai lá. Deixa que eu termino aqui.
Suspirei, pegando a minha bolsa, vendo que não ia ter discussão, e me despedi dela. Assim que saí, o vi mexendo no celular, distraído. Passei por ele e avisei:
- Só uma dica: Continua sendo insistente desse jeito que você perde todas as chances que pode ter comigo.
Ergueu o olhar para mim e continuei andando. Quando vi, estava correndo para me alcançar e perguntou:
- Posso tentar me redimir então?
Arqueei a sobrancelha, o olhando e ele disse:
- Tem uma cafeteria perto do meu trabalho e simplesmente vende o melhor café e os melhores acompanhamentos da cidade. Ganha em disparada da Starbucks. O que me diz?
Abri a jaqueta e mostrei a camiseta que usava. Ele leu e riu, me guiando até seu carro. Assim que parei em frente ao veículo, ele notou minha cara e disse:
- O Murcielago estava em falta.
Arqueei uma das sobrancelhas e entrei no carro ao mesmo tempo em que ele. Eu simplesmente estava dentro de um Lamborghini Gallardo grafite e fosco, ao lado de um cara lindo e que estava me levando para ir tomar café. Esqueci de mais alguma coisa? Ah, sim. Esse mesmo cara passou a semana inteira bancando meu stalker e aparecendo na loja todo santo dia, com as desculpas mais esfarrapadas possíveis.
Depois de alguns minutos, quando ele me ajudou a sair do carro, atravessamos a rua e entramos na tal cafeteria. Era extremamente aconchegante e o cheiro de café do lugar era delicioso. Me indicou uma mesa num canto mais reservado e, tão logo uma das garçonetes trouxe o cardápio, dei uma olhada na lista e escolhi o café, mas pedi ajuda para o para me decidir sobre o que ia comer. Depois que ela se afastou, com os pedidos anotados, perguntei:
- Então... Algum motivo para ter me seguido por toda essa semana?
Sorriu daquele jeito que me deixou derretida e respondeu:
- Para falar a verdade... Não sei bem como explicar. O que eu posso te dizer é que sentia que tinha de ir à loja e te ver, ainda que não entrasse.
Estreitei os olhos, dando um meio sorriso e ele continuou me contando, inclusive, que a amiga havia gostado do móbile.
Depois que a garçonete trouxe os pedidos, começamos a comer e continuamos a conversa, mas agora falávamos sobre nossas vidas particulares. Descobri que ele era empresário e vinha de uma família rica e por isso o Lamborghini. Contei de onde vinha e como tinha ido parar na loja da Bertha.
A partir daquele dia, comecei a ver o cada vez mais e ele sempre me dava uma carona até em casa. Não tinha coragem de deixa-lo entrar ali por ser um lugar tão... terrível; Tinha até vergonha.
Assim que terminei de ajudar a Bertha a fechar a loja, numa quinta-feira à noite, estava indo me encontrar com o quando a minha chefe avisou:
- Escuta... Vai se preparando porque acho que vai precisar usar seu instinto protetor.
A olhei, estranhando e me despedi. Fui andando pela rua e, de repente, vi uma confusão um pouco mais à frente assim que virei a esquina. Parei para observar e eram duas garotas dando “A” surra num cara. De repente, ele puxou a bolsa de uma das duas e começou a correr. Foi a deixa que eu precisava. Não me pergunte como, mas consegui ver que ele não estava armado. Saí correndo atrás do trio e, me esforçando para dar maiores passadas, lá fui eu bancar a perereca e pular nas costas do infeliz, inclusive, começando a bater nele. Não muito tempo depois, uma viatura parou bem perto de onde estávamos e ouvi o guarda dizer:
- De pé, agora!
Tive que obedecer e notei que o ladrão, um bicho magrelo e narigudo, estava quase chorando. Pelo amor de Deus!
- Daniels, prende esse aí. E quanto à vocês três... Para a delegacia comigo, agora!
Olhei para as duas, que aparentemente estavam com a adrenalina no seu pico e nem olharam para mim. Entramos no carro, uma ao lado da outra no banco de trás, ainda em silêncio.
Assim que chegamos, o guarda pediu que esperássemos ali no corredor e uma das garotas disse:
- Hey... Hã, obrigada por ter... Derrubado o cara.
A olhei e vi que era uma menina que poderia muito bem se passar por uma californiana; Era alta, magra, sua pele era bronzeada, os cabelos castanhos e na altura do busto, assim como os olhos. O nariz era fino, reto e a ponta era redonda. A boca era carnuda, sendo que o lábio inferior era maior que o de cima. Seu rosto era fino e ovalado.
- Disponha. - Respondi e ela riu, assim como a outra.
- Nadine. - A morena disse, esticando a mão para mim. A apertei.
- . Pode me chamar de .
- Lola. - A outra disse. Era tão branca quanto eu. E, não bastasse, seus cabelos eram ruivos, na altura dos ombros e os olhos eram azuis, bem vivos. O nariz era comprido e a ponta, assim como o da outra, era redonda. Até mais bolinha, inclusive. A boca era fina e ela usava um batom vermelho, que contrastava e muito com os cabelos. Quando esticou a mão para me cumprimentar, reparei que tinha sardas nos braços, mas só na parte externa e até os pulsos. As unhas eram compridas e tinham sido lixadas de modo que as pontas eram redondas e afinadas. Sem falar no esmalte do mesmo tom que o batom. Taí uma pessoa discreta.
- Seu nome é Lola mesmo ou...?
- Nicola, para falar a verdade. Só que eu prefiro que me chamem de Lola. Nic é comum demais.
- É que nem “.”. Ainda mais que eu não sou a única da família com esse apelido...
... E continuamos a conversar. Quando vi, já estávamos amigas, inclusive combinando de sairmos. Depois do que pareceu ser uma hora inteira, finalmente fomos recebidas pelo chefe da delegacia. Era um homem gordo, de cabelos grisalhos e com o topo da cabeça bem ralo, olhos azuis e rosto redondo e vermelho. Imaginei, por um instante, que ele deveria ser do tipo que cuspia quando gritava com os policiais. Indicou as três cadeiras de frente para sua escrivaninha e nos perguntou:
- Pois muito bem. O que houve?
Nós três começamos a falar ao mesmo tempo. Obviamente, ele mandou que cada uma contasse separadamente e assim o fizemos. Quando chegou minha vez, falei:
- Sabe o que aconteceu? Vi que a criatura tentou roubar a bolsa de uma delas e fui ajudar. Eu reconheço que errei em ter batido nele, mas... Ô chefe, tenta acompanhar meu raciocínio, sim?
Me olhava, interessado na narrativa.
- Sejamos francos. Sou brasileira e estou aqui em Londres a trabalho e estudo. Não deveria mesmo ter me metido em confusão, mas tente se colocar no meu lugar. Se... Fosse sua filha, por exemplo. Não ia lá e tentaria ajudar?
Concordou, ainda com os braços cruzados na altura do estômago.
- Só não entendi até agora o que o fato de você ser brasileira tem a ver com seu ato heroico, senhorita.
- Brasileiro tem disso, de querer meter o bedelho onde não é chamado, fato. - Respondi. - Olha, se quiser, a gente pode conversar a respeito de um julgamento para uma pena do tipo... Serviço comunitário.
- Vamos fazer o seguinte. Hoje você passa. Mas se eu descobrir que a senhorita andou aprontando de novo...
- Vai ter notícias de mim, mas boas, pode confiar. - Respondi, sorrindo. Ele acabou nos dispensando e, uma vez fora da delegacia, a Lola quis saber:
- Ei! Vai fazer alguma coisa agora?
- Ir para a casa, por quê?
A sua resposta foi um som de escárnio e perguntou:
- Sério que você vai querer ficar mofando em casa pelo resto da noite de sexta-feira?
- O que eu posso fazer? Não conheço quase ninguém aqui em Londres e nem me atrevi a sair...
As duas se entreolharam e a Nadine falou:
- Em primeiro lugar: Você vai se atrever a sair de casa. E com a gente. Em segundo lugar... Você nos conhece. E acredite... Isso não é pouca coisa. Ainda mais depois dessa ajuda que nos deu com aquele magrelo.
E saíram me guiando pela rua até que a Lola estendeu um braço e um táxi parou na nossa frente. E pensar que eu mal sabia que minha vida ia mudar totalmente daquele dia em diante...
Dois anos depois, minha vida mudou muito. Ainda trabalhava com a Bertha e a novidade é que tinha conseguido um canto para morar. As meninas, depois de um ano, me chamaram para dividir um apartamento com elas. Consegui trazer a Vivi de Roma, já que estava sob os cuidados de uma tia e as meninas eram doidas com ela e vice-versa. Além disso, mantinha a rotina dos dois empregos. Desta vez, era graças à a Nadine (Que já tinha virado simplesmente “Di”) tinha me ajudado a conseguir o emprego de garçonete em um bar, tipo o do filme do Homem-Aranha, substituindo outra brasileira que teve que deixar o emprego por estar doente. E sim. Eu tinha que subir ao palco e cantar. Por isso, fazia aula de canto há algum tempo.
Além dessas mudanças físicas... Eu mesma tinha mudado. De uma garota tímida e caseira, passei a sair com as meninas e frequentar, não só festas, mas boates. Não conseguia gostar da música, mas só de não ficar enfiada em casa já estava bom. E como as duas eram excelentes companhias...
Já as coisas com o estavam mais... Estacionadas. Na realidade, ele havia começado a dar umas diretas e eu conseguia me esquivar. Mas, do mesmo jeito que acontecia quando nos conhecemos... Ele era insistente. As meninas sabiam dele, mas ainda não tiveram a chance de se conhecerem, uma vez que o precisava viajar constantemente a negócios.
Num sábado, estava me preparando para ir trabalhar. Meu chefe havia inventado de fazer uma noite especial, inspirada no filme “Showbar” e, portanto... Ia ter de subir em cima de um balcão especialmente preparado para aquela ocasião, e rebolar. Não nego que, apesar de tudo que fiz desde que fiquei amiga das meninas, não podia evitar de sentir um pouco de nervosismo por bancar a “coiote” (Para quem não viu o filme, basicamente são as garçonetes). E numa tentativa desesperada de conseguir um pouco mais de confiança para algo tão... Ousado, preferi usar uma calça justa à minissaia. Por mais que tenha mudado um bocado desde que comecei a andar com as meninas, ainda sim, a de antes ainda existia. E nem a nova, nem a anterior teriam coragem o suficiente de uma loucura dessas. Quer dizer, a nova ainda não teria.
Encarei meu próprio reflexo no espelho e dei um sorriso torto. Havia maquiado meus olhos com sombra preta e esfumacei o lápis, além de uma boa quantidade de camada de rímel. A boca, conforme ditavam, estava só com um leve brilho, graças ao batom nude que eu usava. O nude, no caso, não era daqueles quase brancos, mas da cor dos meus lábios mesmo. Minha roupa era composta por, além da calça, uma camiseta branca sem manga e com a estampa da Debbie Harry. Além disso, um par de ankle boots emprestadas da Di (Aproveitando que calçávamos o mesmo número), um rabo-de-cavalo todo bagunçado e acessórios estilo punk, como o bracelete de couro preto, que nada mais era que duas tiras cruzadas e um pingente de crânio, além do par de argolas que estavam nas minhas orelhas. É. Bem rocker, muito diferente da do dia-a-dia, que usa mais camiseta, jeans e All Star.
Assim que estava pronta, dei uma última olhada geral, para ver se não estava esquecendo de nada e saí, trancando a porta ao passar. Não muito tempo depois, cheguei à estação de metrô e lá fui eu para o trabalho.
Cheguei ao bar e já estava começando a ficar lotado. Algumas meninas já estavam dançando sobre o balcão e outras serviam os clientes. Me juntei ao segundo grupo.
Exatamente à meia-noite, o meu chefe me mandou trocar de lugar e tive que respirar fundo e ir andando até o balcão. Por sorte (Ou não), a Di e a Lola estavam lá. E sim. Antes que me pergunte, elas trabalhavam no bar comigo. Lola, para falar a verdade, tinha dois empregos: O diurno era em um ateliê de moda e o noturno... Bem, já deu para sacar, né? A sorte dela é que só precisava ir ao bar nos finais de semana.
De repente, começou a tocar “Pour some sugar on me” do Def Leppard. Olhei para as duas, insegura e elas fizeram um sinal para que eu subisse ali e ficasse ao lado delas. Vendo que eu não ia reagir, a Di falou:
- Te desafio a subir nesse balcão e dançar como se não houvesse amanhã. Senão fizer isso, eu juro que posto uma foto bem embaraçosa sua no Facebook.
Fui mais pelo desafio que a ameaça.
Conforme as batidas começaram, fui rebolando lentamente, atraindo a atenção de quase 100% da população masculina que estava naquele bar. Fechei os olhos e fui me deixando levar, ouvindo vários gritos, alguns até obscenos, dos caras. No refrão, olhei para a Di (Aproveitando que a Lola estava dançando com outra menina) e ela pegou minha mão. Esticamos os braços e começamos a jogar as cabeças de um lado para o outro. Apesar de tudo, estava sendo divertido. Olhei para o Stephen, dono do bar, e fiz um sinal específico para ele, que hesitou um pouco. Mas permitiu. Tanto que me jogou seu isqueiro. E eu, com meu reflexo de Mulher-Aranha, o peguei no ar. Abri a tampa e logo consegui fazer a chama. Em seguida, estiquei o braço para cima e, depois de alguns poucos segundos, os sprinklers do lugar foram ativados. Joguei o isqueiro de volta e no trecho depois do solo, uma coisa significativa aconteceu: A que saiu de casa deixou de existir. Agora, quem dançava sobre aquele balcão da maneira mais sexy imaginável, rebolando e jogando os cabelos molhados de um lado para o outro era outra, totalmente nova e diferente. Não sei explicar, mas me sentia poderosa. E sexy. Ainda mais com aquele bando de homem gritando coisas como “Gostosa”.
Assim que a música acabou, pude descer do balcão e confesso que não tive medo se algum cara chegasse em mim. Quer dizer, desde que ele mantivesse o respeito...
Depois que o bar fechou, quase com o sol nascendo, a Lola se aproximou, toda serelepe e com um sorrisão nos lábios. Disse:
- Tem um modelo de cuecas da Calvin Klein perguntando sobre você...
- Quê? - Perguntei, me levantando de um salto do banco em que estava sentada. O Stephen riu enquanto me via correndo até a porta. Assim que saí do bar, o estava ali, encostado no mesmo Lamborghini e dei um meio sorriso. Perguntou:
- Então... Os boatos são verdadeiros? Você trabalha aqui à noite?
Assenti.
- E você, como o bom inglês que é, chegou na hora certa.
Estranhou e quis saber:
- Hora certa para quê?
- Vou só pegar as minhas coisas. Só saia de onde está para entrar no carro e quando eu voltar, entendido?
Concordou e voltei correndo para o bar. O Stephen me provocou:
-... E ela volta para tirar o pai da forca.
Ri e fui até a área dos empregados, com escaninhos para guardarmos nossas coisas. Peguei a bolsa e a jaqueta e notei as meninas paradas ali na porta, me fixando.
- É o ? - A Di quis saber e assenti.
- Pelo visto... - A Nicola falou, andando até onde eu estava. - Vai precisar disso aqui.
Me mostrou uma embalagem de camisinha. Suspirei e avisei:
- Sou amiga do há dois anos e, apesar de todo o assédio dele para cima de mim... Não vou ceder tão facilmente.
As duas suspiraram e a Lola disse:
- Você vê, é exatamente esse o problema. Você está cozinhando o coitado em banho-Maria há tanto tempo que daqui a pouco aparece uma periguete e toma ele de você. E se ele tiver de gostosura o que tem de beleza... Vou te falar que não vai demorar tanto assim para isso acontecer.
Respirei fundo e peguei o pacote de camisinha, mas só para parar com a insistência das duas. Assim que terminei de pegar as coisas, me despedi delas e acenei para o Stephen antes de sair do bar. Quando cheguei no lado de fora, perguntou ao abrir a porta para mim:
- Você trabalha usando essa roupa?
Arqueei a sobrancelha.
- Só um aviso: Ciúmes comigo não, ok?
Riu e disse:
- Estava só te testando.
Estreitei os olhos e falei:
- Toca essa lata velha para Whitechapel.
- Lata velha? Aí não, ! Aí já é esculacho! Assim o Ghini se ofende. - Disse, passando a mão no painel.
- Você está de sacanagem comigo que o carro tem nome e pior: Que eu ouvi o que acho que acabei de escutar!
Riu e finalmente deu a partida.
Assim que chegamos à lanchonete, havia um grupo de caras, provavelmente de vinte anos, que ficou me olhando e até cochichando. O , com seu instinto protetor, passou o braço por cima dos meus ombros e me senti grata. Apesar de serem novos, eram em maioria e pior: Caras. Vai que eles cismassem de avançar em cima de mim?
Depois que fiz os pedidos e fui buscar, um dos caras se arriscou:
- Me chama de Frodo que te mostro o precioso...
Tive que rir e falei:
- Está vendo aquele cara ali? - Indiquei o , que nos observava. - Então. É meu namorado. E me responde uma coisa: Ia gostar que mexessem com sua garota?
Deu um meio sorriso e avisei:
- E uma dica: Cavalheirismo, ao contrário do que todo mundo pensa, é sempre bem-vindo. E vê se melhora a cantada, viu, bonitinho?
Apertei sua bochecha e os amigos dele o encaravam, boquiabertos. Fui me sentar e ele perguntou:
- O que foi?
- Nada. Só... Uma criança querendo bancar o Casanova. Claro que não deu certo...
Me olhou e de repente, tive uma ideia. Saí andando e sendo seguida pelo até o cais, que era ali perto. Me sentei em um banco, tipo aquele de praça, e comecei a comer, percebendo que ele se sentou ao meu lado, repetindo meu gesto. Quando terminamos, levantei para jogar as embalagens da comida numa lixeira ali perto e, quando voltei, percebi que ele me olhava. Perguntei:
- O que foi?
- Como você consegue andar em cima disso? - Indicava as botas que eu usava.
- Hoje você tá mais atacado e implicante que o comum... O que te aconteceu, hein? - Me sentei ao seu lado. Me olhou fixamente, fazendo uma cara estranha, passando a ponta da língua nos lábios e dando um meio sorriso. Perguntei:
- Você está me botando medo, sabia disso?
Riu e disse:
- Tem uma coisa que eu quero fazer desde a primeira vez em que te vi...
- E... Por que não faz agora?
Se inclinou na minha direção e me beijou.
Depois de alguns minutos, as coisas foram ficando cada vez mais intensas e, depois que fui encerrando o beijo, mordi seu lábio inferior e o puxei e, logo depois, ele perguntou, sem me deixar ir:
- Quer ir lá para a casa?
Respirei fundo e, mordendo o meu lábio, quis saber:
- Me dá um bom motivo para eu querer ir.
- Apesar do beijo... Eu quero que você durma lá hoje. Estou sentindo falta de uma companhia e acho que dificilmente outra pessoa conseguiria me fazer rir como você faz.
Estreitei os olhos e perguntei:
- Então... Está querendo que eu só te faça rir, é isso?
- , mesmo que nunca aconteça nada entre a gente depois de hoje, não pensa que vou te deixar em paz pelo resto da vida, mesmo que você se mude para Johanesburgo e eu vá para Helsinque...
- Mais fácil acontecer o contrário.
Riu e disse:
- A verdade é que não consigo mais ficar sem ter você do meu lado. Aprendi a gostar de você como amiga e como mulher.
Dei um sorriso fraco.
- Vamos para sua casa então? - Perguntei, assumindo um ar sapeca. Ele sorriu largamente e fomos andando até o carro. Quando estávamos parados no primeiro sinal, ele quis saber:
- Será que corro algum risco te pedindo outro beijo?
- Em casa, mate. - Avisei e ele sorriu.
Quando chegamos, finalmente, me ajudou com a jaqueta que eu usava e perguntei, assumindo uma postura totalmente diferente da inicial:
- Escuta... Eu estava pensando uma coisa aqui...
- O quê? - Perguntou enquanto pendurava o próprio casaco em um cabideiro perto da porta. Dei um meio sorriso e respondi, me aproximando dele lentamente:
- Você realmente queria que eu viesse aqui só para te fazer companhia, como estava me dizendo?
- Bom... De certo modo, você vai.
Continuei andando até ficar parada a poucos milímetros de distância dele. Por causa do salto, não precisei ficar na ponta dos pés. Fechei os olhos aos poucos até que senti sua boca se moldando à minha novamente. Não muito tempo depois, me levou ao seu quarto, sem interromper o beijo e, quando dei por mim, já não havia a barreira das roupas nos atrapalhando. Tão logo terminou de colocar a camisinha, ficou me olhando de um jeito estranho e perguntei:
- O que foi?
Se inclinou na minha direção e me beijou enquanto começava a se movimentar lentamente, me penetrando. Depois de algum tempo, quando finalmente atingimos o clímax, ele se largou em cima de mim, ainda tão ofegante quanto eu e comentei, enquanto beijava seu rosto:
- Esteja ciente que, depois do que acabou de acontecer, eu é que não vou te deixar.
Riu e perguntou, me olhando e se fingindo de ofendido:
- Ah, então é por isso que você me quer por perto? Só para usar e abusar do meu corpo?
Dei um estalo com a língua e o provoquei:
- Droga, fui descoberta.
Ri também e me estiquei para roubar um beijo seu. Sentia que realmente depois do que acontecera, não tinha mais volta. Ainda bem.
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